Título: Política econômica vira alvo em evento do governo
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2006, Brasil, p. A3
Montado para traçar sugestões de uma futura agenda de desenvolvimento para o país, um seminário promovido ontem pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico Social, comandado pelo ministro de Relações Institucionais, Jaques Wagner, reuniu palestrantes nacionais e internacionais com uma característica comum: a desaprovação severa - e com freqüência irônica - da política econômica e de propostas defendidas, nos últimos dias, pela equipe do ministro da Fazenda, Antônio Palocci. O seminário precedeu a reunião do conselho, hoje, em que se espera um forte discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em favor do crescimento econômico e de uma política ativa de desenvolvimento. Os discursos foram de condenação à política para juros e câmbio, e alguns dos palestrantes ridicularizaram, sem mencionar nomes, a sugestão do Ministério da Fazenda, de promover uma rodada de redução de tarifas de importação para aumentar a competitividade da indústria brasileira. Convidado para comentar as palestras dos dois convidados internacionais, o deputado Antonio Delfim Netto (PMDB/SP) foi uma das estrelas do evento. "No Brasil o câmbio é tão flutuante que o real voa", comentou, sarcástico, sob aplausos ao criticar a política cambial. O economista Jan Kregel, chefe de Análise Política e Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas, afirmou que as altas taxas de juros e a falta de coordenação entre a política monetária e as políticas de governo provocam prejuízos ao setor produtivo que anulam os efeitos positivos do aperto no orçamento do governo. Contra o otimismo das autoridades do conselho, que comemoraram o aumento nas taxas de emprego formal, Kregel acusou a política econômica de deprimir exageradamente o emprego e o crescimento, além de aumentar a desigualdade de renda. Para o economista, o Banco Central vem tentando atacar a inflação com altos juros segundo a política de metas inflacionárias e, ao mesmo tempo, com a manutenção de cotações deprimidas para as moedas estrangeiras, o que não permite uma política econômica "racional". "É como uma pistola de dois canos, mata a inflação e, também, a economia", comparou. "Para as empresas (no Brasil) é difícil pedir empréstimos com essa taxa de juros e competir interna e externamente com empresas de países de juros mais baixos", acrescentou. O seminário promovido pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social também atacou as resistências, no governo, contra políticas de proteção e estímulo oficial à indústria e aos produtores nacionais. O ataque era previsível, pelo convite ao economista Ha-Joon Chang, famoso pelo livro "Chutando a escada", em que acusa os países ricos de terem se desenvolvido usando as mesmas políticas que agora condenam para os países em desenvolvimento. Se o Japão do século passado seguisse a teoria liberal e as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), não haveria hoje a competitiva indústria automobilística japonesa, lembrou o economista. O Banco Mundial recusou ajuda à Coréia para construir uma siderúrgica, com o argumento de que o país não tinha nenhuma vantagem comparativa na produção de aço, relatou Chang, ao comentar que, atualmente, a Posco coreana é a quinta maior siderúrgica do mundo e uma das mais eficientes. Chang criticou a proposta dos países desenvolvidos (apoiada pela Fazenda) de promover forte redução das tarifas de importação de produtos industriais, porque esse corte eliminará o único grande instrumento de política industrial permitido pela OMC. "É preciso um sistema de tarifas adequado que proteja setores onde vantagens comparativas possam ser criadas", concordou Delfim Netto, lembrando que o grande sucesso exportador brasileiro baseou-se fortemente no setor agrícola beneficiado por medidas ativas de política industrial, como as pesquisas da Embrapa e o Moderfrota, que subsidiou investimentos em máquinas e equipamentos hoje exportados pelo país.