Título: Objeção dos EUA cria impasse na OMC
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 25/11/2004, Internacional, p. A9

Comércio País contesta medida que deveria ser automática e abre crise inédita, numa demonstração de força

Os EUA deram uma nova demonstração de força, fazendo a Organização Mundial de Comércio (OMC) adiar ontem o que deveria ser a aprovação automática ao pedido do Brasil e de outros seis parceiros de impor retaliação contra produtos americanos num caso envolvendo antidumping. Se o problema não for resolvido hoje, a entidade pode entrar numa séria crise sistêmica. Depois de sucessivas e infrutíferas reuniões para tentar resolver as diferenças, ontem à noite certos negociadores qualificavam a posição americana de "extraordinária e absurda". Pelo entendimento comum das regras da OMC, o sinal verde para a sanção comercial deveria ser automático, depois que mesmo o valor de US$ 150 milhões já foi calculado por um comitê de arbitragem. Mas os EUA objetaram. Alegaram que a linguagem da demanda feita por Brasil, União Européia, Japão, Índia, Coréia do Sul e Canadá era incompatível com o que dissera o comitê de arbitragem. E que a diferença de texto abria a possibilidade de esses países imporem sanções acima do valor fixado pelos juízes. Para os EUA, só a demanda do México é aceitável. A presidente do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC), a embaixadora do Quênia Amina Mohamed, pediu tempo adicional para "elucidar a questão" e suspendeu a reunião. Vários países, embora reclamando que não entendiam como os EUA podiam chegar a tal interpretação, contemporizaram, "num gesto de boa vontade". Há precedente de crises envolvendo a retaliação, como no caso da disputa da banana entre os EUA e a União Européia. Mas não da maneira como está ocorrendo agora. O temor na OMC é sobre o que estaria por trás da postura americana, na prática contestando a automaticidade da sanção. O que está no ar é o que acontecerá se não houver acordo nas próximas horas, porque de toda maneira o Órgão de Solução de Controvérsias vai precisar dar a autorização de retaliação. Negociadores salientaram que o atraso não colocava em questão seus direitos de aplicar a sanção. A questão é se a administração Bush, até para agradar os republicanos mais duros, jogaria nesse caso a carta extrema e dizer que não pode aceitar a medida, questionando na prática o "consenso". "Há várias interpretações sobre as intenções dos EUA", afirmou um delegado. "O pior é que Washington está reagindo quando nenhum país sequer detalhou como tenciona fazer a retaliação, porque no estágio atual o que estão querendo é só garantir o direito de fazer isso." No centro da confusão está a polêmica emenda Byrd, que os EUA até hoje não removeram, apesar da ilegalidade. Por essa legislação, Washington distribui o que for arrecadado em sobretaxas antidumping ou anti-subsídio para as empresas americanas que pediram investigação contra o produto estrangeiro acusado de preços deslealmente baixos. Segundo o Brasil, cerca de US$ 1 bilhão já foram distribuídos a empresas americanas desde 2001. Mais US$ 1 bilhão poderá ser distribuído proximamente somente com aplicação da Byrd contra importações de um certo tipo de madeira procedente do Canadá (softlumber). Washington tem um histórico em não cumprir decisões da OMC. Bastava ver a própria agenda de ontem do Órgão de Solução de Controvérsias: havia seis itens sobre vigilância da adoção das recomendações dos juízes, todas eles envolvendo os EUA. A única novidade foi que a delegação americana anunciou que o Senado enfim aprovou a revogação da lei antidumping de 1916, considerada ilegal pela OMC há mais de dois anos. Essa lei estabelece até "procedimentos penais e criminais" contra quem pratica dumping. Mas o Japão reclamou que a nova lei não é retroativa e uma empresa japonesa foi condenada no Estado de Iowa, em meados deste ano, a pagar US$ 30 milhões. Em outro caso, o mesmo Japão reclamou que os EUA já perderam duas vezes o prazo para acabar com uma imposição antidumping contra alguns de seus produtos de aço. Num terceiro caso, a União Européia resumiu a situação americana em relação as recomendações dos juízes: "nenhum progresso".