Título: Governo tenta resgatar a confiança
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 27/05/2010, Economia, p. 16

SETOR PÚBLICO

Secretário do Tesouro Nacional usa superavit de R$ 16,6 bilhões em abril para calar os críticos, que cobram redução nos gastos

A descrença cada vez maior dos agentes econômicos na capacidade do Ministério da Fazenda de economizar dinheiro equivalente a 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) para pagar os juros da dívida levou o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, a aumentar o tom apesar de prejudicado pela rouquidão causada por uma gripe contra os críticos. Em resposta à desconfiança, ele exibiu, com euforia, o superavit primário de abril do governo central (Tesouro, Previdência Social e Banco Central), de R$ 16,6 bilhões, bem acima da média de R$ 10 bilhões projetada pelo mercado financeiro. Apoiado na maior arrecadação de impostos já vista, o valor só perde para abril de 2008, quando o esforço fiscal rendeu R$ 16,7 bilhões.

O saldo do mês passado quase cobriu a meta de superavit para os primeiros quatro meses do ano, de R$ 18 bilhões (o total acumulado entre janeiro e abril alcançou R$ 24,7 bilhões), e deixou o governo em uma situação muito confortável, segundo Augustin, para cumprir o teto de 3,3% do PIB, mesmo que as empresas estatais continuem registrando prejuízo. Segundo ele, isso será possível porque, além do aumento das receitas, o governo registra queda nas despesas com pessoal, identificadas por vários analistas como um risco para as contas públicas, em função dos compromissos de reajustes salariais assumidos pelo presidente Lula. Em abril, esses custos caíram 3,5%. Não acredito que teremos queda no gasto com pessoal (no ano), mas esse número mostra que aquela explosão de gastos prevista por alguns não está ocorrendo e nem vai ocorrer, afirmou.

Riscos da crise

Os recados parecem ter surtido efeito. O economista-chefe da Corretora Ágora, Álvaro Bandeira, admitiu que o superavit de abril foi uma boa surpresa. Deu um alívio nas preocupações de muita gente, inclusive nas minhas, confessou. Mas ele destacou que o ideal é o governo conter as despesas com a máquina pública e usar o excesso de arrecadação para ampliar as obras de infraestrutura. Augustin disse que o governo já segue nessa direção. Tanto que os investimentos quase dobraram entre janeiro e abril, totalizando R$ 12,8 bilhões. O investimento está em um grande momento. Não acho que crescerá (no ano) à taxa de 116%, como estava até março, mas deve ficar próximo do patamar de agora (89%), disse.

O secretário admitiu, porém, que a folga do governo para cumprir a meta de superavit é estreita e que, mais do que nunca, o resultado final está dependente do aumento das receitas com impostos, uma vez que a redução de gastos ficou engessada após os bloqueios no orçamento deste ano. Claro que, depois de R$ 31,8 bilhões, fazer novos contingenciamentos sem afetar investimentos ficará difícil, assinalou.

Mas há outro problema no horizonte para se manter a gastança desenfreada com o objetivo de inflar a candidatura da petista Dilma Rousseff à Presidência da República: a crise na Europa, que pode afetar o ritmo da atividade no país. Por isso, assegurou Augustin, é prematuro falar em aumento da meta de superavit neste momento. Temos duas variáveis conflitantes e é muito cedo para propor um resultado maior. As dificuldades que tínhamos (depois da crise de 2008) podem voltar, considerou. O governo, agora, mira na meta de 3,3%.

A economia brasileira está melhor que outras e não é por acaso, mas por causa das medidas tomadas antes e durante a crise, que foram acertadas

Dominique Strauss-Kahn, diretor-gerente do FMI

Mantega sugere PAC

Depois de desgastar o discurso de que o Brasil passou de devedor a credor do Fundo Monetário Internacional (FMI) na atual gestão, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, conseguiu ontem mais um aval do diretor-gerente da instituição, Dominique Strauss-Kahn, para a política adotada pela equipe de Lula. A economia brasileira está melhor que outras e não é por acaso, mas por causa das medidas tomadas antes e durante a crise, que foram acertadas. É a política que eu queria ver aplicada em outros países. Vamos ver agora, como o governo continuará mantendo esse crescimento no ano que vem, considerou Strauss-Kahn.

Mantega chegou a dizer que a solução para a crise europeia passa pela realização na região de uma espécie de Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como no Brasil. Dessa forma, os pacotes anunciados nos diversos países do bloco não se limitariam ao arrocho fiscal, mas permitiram que eles crescessem no futuro próximo. Os ajustes exigidos não podem se resumir às medidas clássicas sugeridas pelo antigo FMI. Eles só funcionarão se a capacidade de crescimento for mantida, disse o ministro. Para ele, o simples corte de gastos, incluindo salários, e o aumento de impostos condenam os países a não crescer. Não chego a propor um PAC para a Europa, mas é disso que eles precisam, sugeriu.

Solidariedade

Em entrevista no ministério, Strauss-Kahn lembrou que apesar de necessárias, as medidas fiscais dos países europeus não bastaram para reerguer a economia da região. Ele considerou que o remédio para promover a prosperidade na União Europeia, é agir com solidariedade ao bloco. Strauss-Kahn teceu elogios à economia brasileira, mas não se privou de mostrar preocupação com o ritmo acelerado de crescimento do país, que deve ter expansão do Produto Interno Bruto (PIB) entre 2% e 2,5% no primeiro trimestre, segundo a Fazenda.

O forte desempenho no primeiro trimestre deve se encaminhar para o que o ministro Mantega chamou de crescimento sustentável. O cenário previsto pelo executivo é de que a economia passe, a partir do segundo trimestre, a apresentar um avanço mais suave, evitando pressões na inflação. (GC)

Não chego a propor um PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) para a Europa, mas é disso que eles precisam

Guido Mantega, ministro da Fazenda