Título: O que permanece, nove anos depois
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2006, Política, p. A8

Um mesmo livro, ou documento, jamais é lido da mesma maneira transcorrido um determinado tempo. Ao se pesquisar uma determinada circunstância histórica do passado, a tentação de se encontrar ali respostas para as angústias do presente predomina. Não é por outro motivo que a CPI dos Bingos teve interesse em receber os dois longos depoimentos prestados pelo hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva à comissão interna do PT que em 1997 investigou o escândalo da CPEM. Tratava-se de uma empresa, prestadora de serviços para prefeituras, para a qual o advogado e compadre de Lula, Roberto Teixeira, intercedia junto a autoridades petistas. Lula teve que depor, comentando sua relação com Teixeira e a possível intersecção do PT com esquemas paralelos de arrecadação de dinheiro. O caso teve escassa repercussão eleitoral em 1998, mas resultou na expulsão do PT do autor das denúncias, Paulo de Tarso Venceslau. Os principais trechos do depoimento de Lula já foram publicados algumas vezes, sem perder o frescor da novidade a cada nova confusão em que o PT se mete. Lula por vezes parece falar do tempo presente. Não é de hoje, por exemplo, que o hoje presidente alega e justifica a ignorância de determinados fatos ocorridos próximos de si. Sobre caixa 2 em campanha eleitoral, Lula há nove anos disse o seguinte: "Um candidato a cargo majoritário nesse partido é o marido traído ou a mulher traída, ele normalmente é o último a saber das coisas (...) eu tenho como norma que não é papel do candidato falar de dinheiro". Pouco depois confidenciou, referindo-se à eleição presidencial de 1994: "Vocês devem imaginar (...) a quantidade de empresários que me procuravam (...)nego vinha conversar, ninguém dá a entender, ninguém fala de dinheiro porque pode estar gravando (...) quanto mais a gente crescia nas pesquisas, mais a gente ficava com pé atrás em relação a empresário". Lula chegou a dizer na ocasião que não ficara sabendo que mudara de endereço (!), durante a campanha presidencial de 1989. "Eu estava no Ceará quando o comando da minha campanha achou que a minha casa (...) não oferecia segurança para um candidato que tinha possibilidade de ganhar as eleições e eu sempre fui contra mudar daquela casa (...) eu sei que eu cheguei de uma viagem no Ceará, quando eu desci no aeroporto, fiquei sabendo que eu não estava mais na casa que eu morava, que já estava em outra casa. E aí eu fiquei na casa". A nova residência em questão era de propriedade de Roberto Teixeira, fato que foi usado pelos adversários políticos à época como uma insinuação de que Lula devia favores ao advogado e grande amigo.

Veio "a destruição total e absoluta"?

Guarda relação com os dias de hoje, por exemplo, a pouca disposição de Lula de levar a sério denúncias contra auxiliares e aliados, mesmo as que ele recebe pessoalmente. " Se tudo que eu não der credibilidade como dirigente do PT eu for montar uma comissão (sic), o PT vai virar um Tribunal de Pequenas Causas, porque todo dia tem denúncia contra alguém", afirmou. Irritado com a sindicância interna, ironizou o recém-eleito presidente do PT, José Dirceu. "Se o Zé Dirceu quer fazer autocrítica, eu não tenho nenhuma obrigação de fazer", disse. Para Lula, tudo fazia parte do tiroteio político às vésperas das eleições. Lula compara a comissão interna do PT com a CPI dos Títulos Públicos no Senado, que se desenrolava em 1997 e culminou na destruição política de Paulo Maluf e Celso Pitta. Na visão do hoje presidente, tratou-se de uma simples operação de "vendetta" política. "O FHC convoca o Congresso de forma extraordinária para votar o quê? A única reforma que ele votou foi a tese da reeleição e aí o Maluf vota contra (...)e o que aconteceu? Surge a CPI dos Precatórios, que na minha opinião tinha o único objetivo de prejudicar a possibilidade do Maluf ser o racha (sic) pela direita na bancada de sustentação do governo federal". O hoje presidente foi sintético ao falar de dois aliados que se converteram em auxiliares. Indagado sobre se sabia alguma coisa à respeito da participação de seu pagador de dívidas em 2002, Paulo Okamotto, na captação de recursos para a campanha de 94, Lula minimizou: "O Paulo é um cara que vende adesivos". Explicou que Okamotto era gerente de uma gráfica que sobrevivia vendendo material para os candidatos do partido. E ao explicar para Roberto Teixeira porque não queria que ele entrasse no partido, menciona Márcio Thomaz Bastos. "Tem determinadas pessoas que eu prefiro que sejam amigos do PT do que entrar (sic) dentro da estrutura do PT. É como Márcio Thomaz Bastos, tem gente que fala: por que o Márcio não se filia ao PT, não entra? eu digo, eu prefiro que ele seja simpatizante do PT do que entrar no PT". Lula encerra o seu depoimento antevendo o que seria seu governo e pedindo que o PT passasse a reagir impávido a denúncias: "No PT, precisamos parar de ser covardes. A direita nesse aspecto é muito competente. Nós somos covardes. O PT é doidinho para bater, mas quando ele toma um soquinho no queixo, ele se mela todo, ele se borra (...) basta sair uma notícia no jornal que muita gente treme ... eu acho um absurdo, fico imaginando se a gente fosse governo e saísse uma denúncia contra nós, seria a destruição total e absoluta. É nesse momento que a gente tem de saber ser direção".