Título: Banco Santos, intervenção e necessidade de reforma
Autor: Jairo Saddi
Fonte: Valor Econômico, 25/11/2004, Opinião, p. A10

O recente "affair" mostra mais uma vez que já está na hora de mudar a Lei 6.024

Desde 1998 não se via uma intervenção extrajudicial no sistema financeiro. Como se sabe, existem no direito pátrio três tipos de intervenções estatais discricionárias promovidas pelo Banco Central, autoridade monetária encarregada de zelar pela estabilidade do Sistema Financeiro Nacional: a liquidação extrajudicial, a intervenção e a administração especial temporária. A liquidação extrajudicial é medida mais extrema, grave e definitiva, que promove a extinção ou a morte da instituição, quando ocorrem indícios de insolvência irrecuperável (ou quando cometidas infrações às normas que regulam a atividade ou instituição, que a sujeitem a risco anormal e irremediável). A liquidação extrajudicial, por definição, objetiva vender ativos existentes para pagamento dos passivos, os credores, hierarquizados segundo a lei. Já no chamado regime de intervenção extrajudicial - aplicado no caso do Banco Santos no dia 12 - o Banco Central, por intermédio de interventor por ele nomeado, assume a gestão direta da instituição, suspendendo as suas atividades normais e destituindo os respectivos dirigentes. Diferente do que foi anunciado, suspendem-se as exigibilidades bancárias e ninguém é pago. Trata-se, idealmente, de medida de caráter cautelar, que objetiva evitar o agravamento das irregularidades, visando manter afastados riscos patrimoniais, embora dificilmente uma instituição em intervenção possa voltar a ter a credibilidade original de um banco em funcionamento. A administração é afastada e os controladores têm seus bens declarados como indisponíveis, gravame legal que visa servir de medida igualmente cautelar para apuração de responsabilidade. Em 180 dias, ou se transforma em liquidação extrajudicial (e só depois então em falência, declarada pelo Judiciário) ou é devolvida aos seus controladores, se sanadas todas as dificuldades, e volta a operar normalmente. Finalmente, só no regime da Administração Especial Temporária é que não há nem a interrupção nem a suspensão das atividades normais da instituição financeira, mas há a perda do mandato dos dirigentes do banco. Em geral, só é aplicada a bancos estaduais. No caso do Banco Santos, mais uma vez perde o depositante de boa fé. Sem conhecimento profundo das operações de crédito da instituição, observador impotente de seus gastos com agressiva campanha mercadológica, visitante bissexto de suas exposições de arte, pequenas e médias empresas, que confiaram na fiscalização do Banco Central, ficarão a ver navios, pelo menos por enquanto, e, segundo as informações recentes divulgadas pela mídia, dificilmente serão injetados os R$ 700 milhões necessários para evitar a liquidação extrajudicial. Segundo o advogado nomeado pela instituição que sofreu a intervenção, a própria fiscalização do Banco Central pode ter sido a causadora da quebra, provocado por saques e encerramento de contas. Nenhum banco resiste a uma corrida bancária e, obviamente, as aplicações minguaram com as notícias de que o Banco Central realizava diuturnamente cerrada inspeção bancária.

Por que não monitorar antes? Será que o BC não sabia que a instituição caminhava para uma situação irrecuperável?

Para Mathias Dewatripont e Jean Tirole ("The Prudential Regulation of Banks") o Banco Central deveria agir como o legítimo representante dos pequenos depositantes que confiaram no sistema para aplicar suas poupanças. Os pequenos depositantes são muitos, pouco organizados, pouco sofisticados, inteiramente desinformados e passíveis de influência na mídia, por personagens famosos, como tenistas, cozinheiros etc., que, em depoimentos, afirmavam que aplicar naquela instituição era de fato "reinventar a relação cliente-banco com muito mais estilo e inteligência". Quatro foram as justificativas oficiais para a intervenção no Banco Santos: comprometimento da situação econômica e financeira da instituição, deterioração da situação de liquidez, infração às regras bancárias e inobservância das determinações do Banco Central. Será que tudo isso ocorreu em poucos dias ? Por que não monitorar antes e evitar o prejuízo aos seus legítimos representantes? Será que o Banco Central não sabia que a instituição caminhava para uma situação irrecuperável ? O "affair" Banco Santos mostra mais uma vez que já está na hora de mudar a Lei 6.024. De extração extremamente autoritária - editado em período que vigorava o arbítrio do poder militar - o preceito legal da Lei 6.024 permanece em vigor e, tanto mais em razão da restauração da normalidade democrática, o Banco Central, no processo de liquidação e intervenção extrajudicial, vê-se investido nas atribuições de juiz, executor e elaborador dos destinos de qualquer instituição financeira, além de, é claro, representante do pobre consumidor bancário, que confia em sua experiência fiscalizatória. O Banco Central há de argumentar que, em pagando taxas mais gordas ou remuneração acima da média, os pobres depositantes do Banco Santos deveriam desconfiar. Não é o caso dos pequenos e médios desavisados. Se não há razão do risco sistêmico - e não há mesmo - melhor seria uma fiscalização mais proativa e, ao mesmo tempo, mais discreta. O Banco Central deveria coibir boatos que colocassem em risco a instituição financeira. Mais fácil seria se o Banco Central evitasse decisões arbitrárias, pautadas pela absoluta falta de critérios, e passasse a utilizar-se de um regime de fiscalização punitivo mais eficiente. Não só evitaríamos liquidar instituições, como também protegeríamos depositantes indefesos, que não são obrigados a acompanhar os limites do Acordo da Basiléia sobre capitalização bancária, primeiro porque nunca ouviram falar disso, e segundo, por não ser, com certeza, sua atribuição. A propaganda do Banco Santos dizia que era um "banco que ia além do banco, para estar mais próximo de você". O BC deveria aproveitar o ensejo e dizer o mesmo, próximo do seu representado, que garante a ele e aos seus funcionários o salário e o prestígio.