Título: Reforma fiscal para elevar poupança
Autor: Amity Shlaes
Fonte: Valor Econômico, 25/11/2004, Opinião, p. A11

Governo dos EUA avalia propostas de um novo sistema tributário baseado em consumo

Pré-eleição, pós-eleição. Qualquer época é boa para fustigar os EUA sobre a sua taxa de poupança. No começo do mês, Jean-Claude Trichet, do Banco Central Europeu, alertou que os EUA precisam "corrigir essa falta de poupança". Alertas adicionais sobre o poupador delinqüente foram transmitidos a John Snow, secretário do Tesouro dos EUA, quando cruzou o Atlântico na semana passada. O grave déficit em conta corrente e o dólar em queda, disseram a Snow, representava prova de que os EUA estavam errados. Snow escancarou o seu grande sorriso. A taxa de poupança é importante, mas talvez o dólar não seja. Falando em termos econômicos, os críticos têm razão - à exceção do dólar, do qual tratarei a seguir. Afinal, como observou Alan Greenspan, presidente do Fed, o banco central dos EUA, quando fez coro sobre esse tema no fim de semana, os EUA realmente gastam mais do que poupam ou investem. Os estrangeiros se apressam em preencher a lacuna e investem no país lucrativo. Há duas formas de abordar este desequilíbrio. A primeira é que os outros países, especialmente os que fustigam os EUA, tornem suas culturas econômicas mais atraentes para investimento. A segunda é que os EUA poupem mais. Uma maneira de atingir esse aumento na poupança dos EUA acontecerá por meio da passagem do molde tributário arcaico atual, baseado em receita, a um sistema tributário baseado em consumo. A administração Bush não pretende reformar a lei fiscal amanhã - a Seguridade Social, o plano de aposentadoria nacional, provavelmente terá prioridade -, porém está prospectando várias propostas para conduzir os EUA rumo a um sistema de consumo. A pior delas poderá causar danos à cultura cívica dos EUA, a mesma cultura que gera aquele tão invejado crescimento. A melhor deverá fortalecer os EUA, política e economicamente. Comecemos pela idéia mais cintilante, de um imposto nacional sobre as vendas, que incide sobre as compras no varejo. A idéia é substituir o antigo imposto de renda da América em uma única medida dramática - e ano processo aniquilar a Receita Federal, aquela autoridade odiada no país. Em algumas versões, o seguro social - Seguridade Social, Medicare - também estão incluídos no imposto sobre as vendas. Os economistas estão dispostos a considerar o imposto sobre vendas, já que ele é claramente um imposto sobre o consumo - só os gastos seriam taxados. Além disso, politicamente, está sendo visto como um grande vencedor. Afinal, "detonar a Receita Federal" e "destruir o Código Tributário" são palavras de ordem que funcionam bem com os eleitores - especialmente nos agora célebres Estados vermelhos [republicanos], como a Geórgia ou o próprio Texas de Bush. O setor industrial está inclinado a acreditar que um regime tributário baseado nas vendas os colocará em posição vantajosa em relação aos concorrentes na Europa, embora não esteja claro que realmente seja assim. No fim das contas, porém, um imposto nacional sobre vendas no varejo é insensato. Para poder arrecadar somas suficientes, a alíquota do imposto deverá ser superior a 20%. A Lei do Imposto Justo, uma versão proposta pelos legisladores, fixa a alíquota em 23%. Esse tributo seria adicionado aos impostos estaduais, portanto os consumidores seriam confrontados com uma alíquota em torno de 30%. Mesmo os americanos, admirados em todo o mundo por seu elevado índice de obediência fiscal, relutariam em pagar tanto de uma só vez. As autoridades seriam obrigadas a criar uma política fiscal mais agressiva do que a Receita Federal.

O imposto único é muito popular; em 2003 cinco projetos de lei foram encaminhados ao Congresso, com alíquotas ao redor de 20%

Seria uma amarga ironia se o corte fiscal, que alguns republicanos entusiastas introduziram no sistema, copiasse o mesmo tipo de burocracia invasiva que eles alegam detestar. Mas é o tipo de coisa que ocorre quando deixamos que a política fiscal seja elaborada por grupos de interesse. A segunda proposta é um imposto de valor agregado, que incide sobre cada estágio da produção. Mais uma vez, de um ponto de vista econômico, faz muito sentido. Além disso, o IVA alivia o problema do choque de preço e, até certo grau, a evasão fiscal. O problema com o IVA é o oposto do existente com o imposto sobre as vendas: o IVA funciona bem demais. Com um IVA, aumentamos muito o tamanho do governo em relação ao PIB antes de nos darmos conta. Pelo menos é o que acontece na Europa. Dois outros tipos de imposto que estimulam a poupança estão sendo avaliados. O primeiro é o imposto único, do dono de revista Steve Forbes, um tributo de 17% que permite aos contribuintes deduzir dividendos e juros, portanto são taxados apenas sobre o salário. O imposto único é muito popular - em 2003, cinco projetos de lei de imposto único foram encaminhados ao Congresso, na maioria das vezes com alíquotas ao redor de 20%. A mais recente reforma em discussão é gradualista: simplesmente continuar promovendo os cortes na tributação sobre capital e investimento que Bush iniciou no seu primeiro mandato. A meta será expandir gradualmente os mecanismos de proteção fiscal para poupanças até o ponto em que apenas a receita seja tributada. Tanto essa abordagem como a do imposto único deverão melhorar o ambiente de negócios e restaurar parte da fé perdida no governo. Além disso, desnecessário dizer, elevarão a taxa de poupança. O único elemento que eles não tem o poder de alterar é a taxa de câmbio. O dólar continuará enfraquecendo até que aconteçam duas coisas. A primeira, que os EUA superem as conseqüências negativas da inflação gerada pelo banco central em um ano eleitoral. A segunda, que Snow se disponha a defender o dólar, em vez de reiterar a necessidade de maior flexibilidade cambial por parte dos chineses. Mesmo assim, se os EUA alterarem sua estrutura cambial, melhorarão sua taxa de poupança. O país também poderá melhorar sua taxa de poupança privatizando parcela da seguridade social, mudança que provavelmente virá ainda antes de uma reforma tributária. Em qualquer um dos casos, dependerá dos parceiros comerciais dos EUA fazer a sua parte, expandindo-se em ritmo mais acelerado. A bola está no seu campo, cavalheiros.