Título: Grande coalizão para salvar a Itália
Autor: Wolfgang Munchau
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2006, Opinião, p. A15

Conseqüências econômicas da união monetária foram muito graves para o país

Os sete anos da Itália na zona do euro parecem coerentes com a famosa inscrição de Dante no portal do inferno: "Abandonai todas as esperanças, vós que aqui entrais". As conseqüências econômicas da união monetária foram tão graves para o país que exigem ação política urgente por parte do próximo governo italiano. Sem ação, não haverá escapatória do inferno. Uma valorização de 16% do câmbio real nos últimos sete anos resultou em perda de competitividade e queda do crescimento econômico. Se a tendência dos últimos sete anos persistir nos próximos sete, as conseqüências - para a indústria italiana e para a solvência do Estado - serão quase catastróficas. Alguns economistas vêm debatendo os méritos de uma saída da zona do euro. Outros advertem para um não pagamento da dívida externa à moda argentina. Embora esses cenários catastróficos possam ser exagerados, a verdade fundamental é que a participação da Itália na zona do euro e suas políticas econômicas atuais são incompatíveis no longo prazo. Seria de imaginar que o problema viesse à tona na campanha para as eleições em 9 e 10 de abril. Mas isso não aconteceu. Silvio Berlusconi, o primeiro-ministro e líder da centro-direita, e seu adversário, Romano Prodi, o ex-presidente da Comissão Européia (CE), vêm disputando uma campanha de espetáculo - praticamente uma repetição de um combate eleitoral ocorrido dez anos atrás. Esses dois políticos em vias de obsolescência não tinham uma estratégia econômica coerente naquele momento, e têm muito menos hoje. Berlusconi oferece as mesmas velhas receitas para o lado da oferta que fracassaram durante sua atual gestão. Os problemas da Itália não podem ser solucionados por meros cortes de impostos. No início de atual mandato, Berlusconi tentou, mas em larga medida não conseguiu, aprovar algumas reformas de mercado de trabalho proveitosas. De lá para cá, ele concentrou-se no tipo de reformas que alguns críticos dizem servir a seus interesses pessoais e empresariais. Mas a centro-esquerda de Prodi não oferece alternativa concreta. Sua coalizão é uma colcha de retalhos que prometeu limitar a expansão dos contratos temporários de trabalho, desregulamentar o setor de serviços e reduzir os custos unitários de mão-de-obra. Nada há de errado com cada uma dessas políticas em si mesmas, mas não solucionam nenhum dos problemas da Itália no âmbito da zona do euro. Até onde merecem ser chamadas de reformas, são o tipo errado de reformas no momento errado. O que a Itália necessita são medidas direcionadas especificamente à liberalização de mecanismos de fixação de salários e à geração de maior crescimento da produtividade. Uma das principais razões pelas quais a Itália está perdendo competitividade é a persistência da inflação - a tendência de os preços continuarem subindo depois de um choque inflacionário inicial. A Itália é um dos poucos membros da zona do euro capazes de produzir inflação acima da média mesmo durante severas recessões.

A verdade fundamental é que a participação da Itália na zona do euro e suas políticas econômicas atuais são incompatíveis no longo prazo

Isso deve-se, em certa medida, a um mercado de trabalho disfuncional. Na Itália, os aumentos salariais são ainda com muita freqüência vinculados à inflação passada e não a mudanças na produtividade. Outro problema é a tendência das companhias italianas de fixar preços a intervalos menos freqüentes do que é comum em outros países industrializados. Qualquer programa sério de reforma econômica teria de atacar essas questões específicas. Infelizmente, tais políticas não estão nas plataformas de campanha - tanto de Berlusconi como de Prodi. Entretanto, mesmo se eles viessem a ceder lugar a uma geração mais jovem de políticos, os problemas italianos não seriam solucionados. As duas coalizões servem a demasiados interesses sectários. Uma constelação que poderia viabilizar algumas dessas reformas seria uma grande coalizão do tipo alemão. Refiro-me não à grande coalizão atual em Berlim, mas àquela que governou entre 1966 e 1969. A única razão de ser daquela coalizão foi colocar em prática reformas econômicas que seriam inconcebíveis sob qualquer outra constelação política. A Itália defronta-se hoje com uma situação política similar. É verdade que grandes coalizões não são constelações naturais na política italiana. As duas grandes alianças políticas, que incluem ex-fascistas à direita e comunistas à esquerda, não podem simplesmente somar forças para constituir um governo capaz de funcionar adequadamente. Uma grande coalizão exigiria alguns realinhamentos políticos complicados, que podem contrapor-se a muitos interesses políticos encastelados em ambos os campos. Um cenário sob o qual tal coalizão poderia emergir seria um Parlamento dividido ao meio - maiorias opostas na Câmara dos Deputados e no Senado. Ouvi de um importante ministro do atual governo que ele, pessoalmente, defenderia um grande coalizão se as eleições não produzissem uma maioria nítida. Mas, ainda assim, tal coalizão não seria um desfecho garantido. Uma grande coalizão poderia também surgir de uma estreita vitória da centro-esquerda - um desfecho eleitoral que as pesquisas de intenção de voto vêm prevendo sistematicamente há algum tempo. Nesse caso, Prodi seria primeiro-ministro, mas com uma maioria que poderia não permitir que ele governasse durante todos os cinco anos do mandato parlamentar. Uma grande coalizão interina poderia suceder ao colapso de um governo assim. Mario Draghi, presidente do Banco da Itália, disse em recente discurso que nada há de inevitável sobre o declínio econômico do país. Ele tem razão. Se o próximo governo italiano der os passos necessários, não deveria haver razão pela qual o país não pudesse prosperar na zona do euro no longo prazo. Mas o sucesso econômico demanda um nova abordagem de política econômica. A continuar na mesma, será o inferno de Dante.