Título: O Brasil, os juros e o crescimento da economia mundial
Autor: Fernando Fix
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2006, EU &, p. D3

Larry Summers, secretário do Tesouro americano no governo Bill Clinton, advertia que a recuperação do crescimento da economia mundial merecia um olhar cauteloso: era como "um avião voando com apenas uma turbina". O PIB mundial crescera em 2004 à taxa recorde de 5,1%, mas a expressão ficou célebre para descrever uma excessiva dependência na demanda da economia americana. A novidade deste início de 2006 é que observamos evidências de melhores condições técnicas em outras "turbinas" centrais da economia mundial. Mas, para os "passageiros" de economias emergentes, o impacto está longe do trivial. A turbina da economia americana exibe bom ritmo de expansão desde 2003. Reagiu ao poderoso suporte de estímulo monetário (três anos de juros reais negativos) e fiscal (maior reversão das contas públicas americanas em todo pós-guerra). Todavia, o vôo da economia mundial realmente provocava certo frio na barriga. A turbina americana sobrecarregada mostrava considerável risco de pane, frente a conhecidos desequilíbrios, como os crescentes déficits gêmeos e a nova bolha imobiliária. Nos últimos trimestres de 2005, começamos a colher os primeiros sinais de um crescimento mundial mais equilibrado. Juntamente com a sustentação da economia americana e de emergentes como China e Índia, Europa e Japão passaram a apresentar indicadores econômicos mais robustos. O gráfico ao lado ilustra que os mercados financeiros finalmente começaram a acreditar na consistência desta recuperação. A rentabilidade dos títulos alemães atinge hoje patamar recorde desde 2002. No caso japonês, finalmente parece haver condições para que o Banco Central local retire a taxa de juros do nível emergencial zero. Estes dois gigantes cambaleantes da economia mundial já exibiram no passado recente breves sinais de recuperação que, posteriormente, não foram sustentados. Caso a sinalização atual expressa nos mercados internacionais esteja realmente correta, a preocupação de Summers descrita acima, será positivamente atenuada. Europa e Japão, somados, correspondem a uma fatia de 22% do PIB mundial, maior que a fatia americana. Poderiam colaborar para sustentar o vôo do crescimento global em caso de desaceleração da turbina americana. Evidentemente, esta perspectiva de um crescimento mundial mais sustentável nos próximos anos delinearia a continuidade de um ambiente favorável para países como o Brasil. Um ambiente favorável, por exemplo, para as exportações brasileiras, ao sustentar preços elevados para as commodities que exportamos. Todavia, a fase atual merece certa dose de cautela - para os mercados emergentes em geral e para o mercado brasileiro em particular. Como tem ocorrido nos últimos anos, movimentos de ajuste nos mercados de renda fixa das economias centrais tendem a motivar cautela e aversão a risco. A melhora dos fundamentos econômicos brasileiros e a simétrica redução de nossa vulnerabilidade externa vêm possibilitando que estes momentos de contração de liquidez internacional tenham impacto menos expressivo nos mercados locais. A contração de maio de 2004, frente ao início da puxada de juros do Fed, provocou alta de 280 pontos-base no risco-brasil (EMBI). Em março do ano passado, a piora já foi mais limitada: 125 pontos-base. O ajuste que descrevemos acima não deve provocar reversão da tendência positiva para o mercado brasileiro, mas certamente apresenta potencial para gerar volatilidade de curto prazo. Ao longo de 2006, deve prosseguir o cenário de retomada moderada da economia brasileira. O patamar baixo do dólar mantém a inflação sob controle (projetamos IPCA em 4,4%). Com isso, existe amplo espaço técnico para a queda da Selic (até o nível de 14% em dezembro). A retomada moderada do PIB aponta para o nível de 3,7% neste ano. A questão relevante é que ainda estaremos abaixo da média mundial. Permanece fundamental a realização de reformas para elevação do PIB potencial brasileiro.