Título: Inteligência fiscal: um novo conceito
Autor: Mauro Schweizer Leite
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2006, Legislação & Tributos, p. E2

"As corporações se preocupam com questões tributárias que têm impacto sobre resultados financeiros"

O ambiente tributário no Brasil há muito vem sendo palco de freqüentes mudanças, o que exige das empresas flexibilidade e agilidade no trato dos assuntos legais e das regras que estados e municípios desenvolvem regionalmente. Analisando-se as novas exigências dos órgãos reguladores, observa-se uma forte tendência do Estado em transferir para as grandes empresas a responsabilidade sobre a fiscalização das obrigações tributárias de seus fornecedores. Naturalmente, é bem mais fácil para o governo atuar no monitoramento e controle, centrado em poucas empresas, do que coordenar essa ação junto a todo universo de empresas. Por conseqüência, ao se transferir esse papel para um grupo mais restrito de empresas, aumenta-se o foco da fiscalização sobre estas. Um exemplo dessa delegação é a exigência sobre a checagem do pagamento de tributos e contribuições de prestadores de serviço ao Fisco, antes da contratação efetiva de um serviço, o que torna o processo de contratação mais complexo e oneroso. De fato, a maioria das corporações se preocupa com as questões tributárias que têm impacto significativo sobre os resultados financeiros de seus negócios. Não são poucos os casos em que o fator tributário é o mais importante na decisão sobre um investimento, fazendo com que a escolha do "site location" contrarie o que seria ideal do ponto de vista logístico ou mercadológico. Nesse sentido, a maioria dos executivos percebe o trato fiscal como um tema estratégico, de altíssimo nível em suas empresas, o que se reflete na formação de comitês fiscais e tributários e na contratação de especialistas para análise do tema. Apesar dessa preocupação, é comum observarmos casos em que detalhes operacionais causam grandes prejuízos aos negócios. Para ilustrar o fato, basta observar as perdas que as empresas sofrem, seja em conseqüência do não aproveitamento de créditos, decorrentes de atrasos e falhas na escrituração ou na classificação de operações tributárias, ou das multas aplicadas sobre os erros no cálculo, declaração e retenção de impostos e o não-correto cumprimento de obrigações acessórias. Todas essas ocorrências afetam diretamente a linha de resultados e podem causar prejuízos incalculáveis à imagem da empresa, além de abalar o relacionamento com entidades reguladoras. A questão é ainda mais grave quando a organização demanda agilidade e atua delegando autonomia, por adotar um modelo de gestão descentralizado e encontrar-se geograficamente dispersa. Nesse contexto, é de se considerar que, mesmo com um bom planejamento tributário, se as questões táticas e operacionais não forem devidamente observadas, o resultado será um descasamento trágico entre a estratégia e as operações. Notas fiscais continuarão a "dormir" em gavetas, créditos fiscais deixarão de ser aproveitados e multas serão aplicadas. Enfim, põem-se em risco qualquer tipo de benefício que se poderia obter com uma boa estratégia tributária.

Como assegurar eficácia e controle nas operações que envolvem o trato fiscal e tributário?

Em vista disso, surge então uma importante questão: como assegurar eficácia e controle nas operações que envolvem o trato fiscal e tributário? A busca por se otimizar a gestão tributária requer um esforço complexo de revisão de todos os processos que envolvam a entrada e saída de materiais e serviços, as operações "intercompany", as apurações e cálculos de impostos, o cumprimento das obrigações acessórias e o fechamento e contabilização fiscal, sem esquecer de todo trato referente ao arquivamento de documentos e comprovantes. Em tese, o desafio consiste em se varrer a empresa de uma ponta a outra de sua cadeia, contemplando todos os departamentos que exercem alguma atividade que tenha implicação fiscal ou tributária, como, por exemplo, compras, contratações, aplicação de materiais e serviços, vendas, faturamentos, pagamentos, transferências financeiras, movimentações e cadastro de materiais, registros contábeis etc. O que, nos dias de hoje, significa dizer que quase todos os funcionários de uma grande empresa estão direta ou indiretamente envolvidos na questão tributária. É necessário, ainda, se obter agilidade e eficiência na interpretação e adequação das questões regulatórias ao dia-a-dia das operações, o que implica revisão de processos, redistribuição de responsabilidades, construção de um adequado modelo de gestão e o aproveitamento de soluções tecnológicas. O caminho está em se pensar de forma abrangente a questão tributária, o que certamente requer a reunião e coordenação de múltiplas competências e disciplinas. Um fator fundamental para o sucesso de um trabalho dessa natureza diz respeito à gestão da mudança, que envolve coordenação da transformação do ambiente e das pessoas, no que tange a identificação e o desenvolvimento de conhecimentos e comportamentos. O fator humano é chave em qualquer contexto transformacional. Conduzir um trabalho dessa magnitude não é simples, mas seguramente confere resultados expressivos e autofinanciáveis no curto prazo. Atingir um patamar de maturidade e eficácia representa dizer que a empresa possui, de fato, uma inteligência fiscal.