Título: 300 investigados
Autor: Campos, Ana Maria
Fonte: Correio Braziliense, 27/05/2010, Cidades, p. 42

Caixa de Pandora

A operação que causou um terremoto nos poderes locais completa 180 dias com apuração ampliada. MP espera denunciar os envolvidos na rede de corrupção conforme o papel de cada um nos desvios

Seis meses depois da deflagração da operação que abalou o mundo político na capital do país, a Caixa de Pandora ainda reserva muitas surpresas. Força-tarefa formada por promotores de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que trabalha em parceria com a subprocuradora-geral da República Raquel Dodge e com a Polícia Federal (PF), apura a participação de aproximadamente 300 pessoas relacionadas direta ou indiretamente ao suposto esquema de corrupção que enriquecia autoridades em troca de apoio à gestão de José Roberto Arruda com dinheiro desviado de contratos públicos. Essa investigação, ainda não concluída, tem como propósito embasar as denúncias que serão ajuizadas no Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra todos os envolvidos na revelada organização criminosa.

Além da análise de documentos apreendidos nas buscas ocorridas em 27 de novembro de 2009 e em outras duas operações realizadas posteriormente, os investigadores aguardam o resultado das perícias da PF nos computadores recolhidos nas casas e nos gabinetes dos suspeitos, entre os quais o conselheiro Domingos Lamoglia, do Tribunal de Contas do DF, do ex-chefe da Casa Civil José Geraldo Maciel e do ex-chefe de gabinete de Arruda Fábio Simão. Os laudos são vitais para construir a lógica das ações penais que vão apontar uma quadrilha que desviava dinheiro com várias ramificações.

A estratégia do MP será dividir as denúncias em vários núcleos: comando, operação, apoio político e relações empresariais. A intenção é evitar uma ação penal com muitos réus, o que dificultaria o andamento processual e poderia levar a nenhuma condenação, mesmo após tanto trabalho investigativo. Casos complexos como o processo do mensalão do governo Lula(1), em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), em que o então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, denunciou 40 pessoas, transcorrem durante anos e há risco de prescrição sem um desfecho judicial.

No total, Raquel Dodge, responsável pela Operação Caixa de Pandora, deverá propor cerca de 10 ações penais. Ela já ajuizou duas denúncias contra Arruda. Numa delas, o ex-governador e outras cinco pessoas são acusados de compra de testemunha, o jornalista Edson Sombra, motivação da prisão preventiva que o manteve na prisão por dois meses entre fevereiro e abril. Arruda também foi denunciado por falsificação de documento. A ação se refere aos recibos que atestariam recebimento de dinheiro do ex-secretário de Relações Institucionais Durval Barbosa como doação para compra de panetones para pessoas carentes.

Derrocada Na avaliação do Ministério Público, os documentos foram forjados quando Arruda tentou criar uma versão para o vídeo em que aparece recebendo R$ 50 mil de Durval a imagem é o pivô de sua derrocada. As duas ações tramitam no STJ, mas poderão ser baixadas para o Tribunal de Justiça do DF porque ele não tem mais foro especial. O Inquérito nº 650 ainda permanecerá nas mãos de ministros do STJ por força do foro especial de que ainda dispõe o conselheiro Domingos Lamoglia. Alvo de processo administrativo disciplinar no TCDF, ele pode ser aposentado compulsoriamente. Em caso de aposentadoria, o foro especial cai.

Enquanto Arruda se recupera psicologicamente da maior crise da história do DF, seu algoz, Durval Barbosa, começa a retomar a vida normal. Ele ainda colabora com a Justiça e o MP, mas já circula pela cidade. Cada vez que decide contar um pouco do que sabe sobre desvios de recursos, Durval provoca estrago, como recentemente quando prestou depoimento à deputada Érika Kokay (PT), no processo por quebra de decoro contra Eurides Brito (PMDB). O colaborador da Operação Caixa de Pandora sustentou que o PT também tem os seus pecados.

1 - Mensalão do PT A denúncia de pagamento de mesada a deputados em troca de apoio político ao governo Lula foi ajuizada em 2005 pelo então procurador-geral da República Antônio Fernando de Souza contra 40 personalidades, como o ex-deputado José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino, e o ex-tesoureiro do partido, Delúbio Soares, além de parlamentares do PTB, PL (hoje PR) e PP. Apenas para receber a denúncia, o Supremo Tribunal Federal levou seis dias. O processo, cinco anos depois de iniciado, ainda está em fase de depoimentos de testemunhas

Pressão contra distritais

O congelamento dos processos por quebra de decoro parlamentar contra os deputados citados na Operação Caixa de Pandora pode provocar uma sucessão de ações judiciais que deverão ser ajuizadas pelo Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (NCoc) (1)do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Os alvos das ações serão os próprios investigados, além do presidente da Comissão de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Legislativa, Aguinaldo de Jesus (PRB), por suposta omissão em sua atribuição de dar prosseguimento às representações protocoladas contra esses distritais.

Aguinaldo de Jesus recebeu ontem oito ofícios assinados pelos promotores do Ncoc. Nos documentos, há uma forte cobrança de que os processos por quebra de decoro andem na Câmara. Nos documentos, o MP questiona se a Comissão de Ética instaurou procedimento, em que estágio estes se encontram e os motivos para eventual paralisação dos trabalhos relacionados às denúncias contra os deputados Aylton Gomes (PR), Benedito Domingos (PP), Rôney Nemer (PMDB), Rogério Ulysses (sem partido), Benício Tavares (PMDB) e Geraldo Naves (sem partido), além dos suplentes Pedro do Ovo (PRP) e Berinaldo Pontes (PP). O Ministério Público tomou a providência porque avalia que os deputados criaram uma manobra de proteção geral, em que uns ajudam os outros a escaparem da cassação.

Repercussão negativa Para evitar a repercussão negativa perante a opinião pública em ano eleitoral, a Câmara Legislativa elegeu como bode expiatório apenas os três deputados filmados recebendo dinheiro Leonardo Prudente (sem partido) e Júnior Brunelli (PSC), que já renunciaram ao mandato, além de Eurides Brito (PMDB). A peemedebista é a única ameaçada até o momento de perder o cargo e ficar inelegível pelos próximos oito anos. Na avaliação dos promotores do Ncoc que conseguiram afastar Eurides do mandato, por sustentar que ela atrapalhava a instrução do processo na Câmara os demais deputados estão em situação tão grave quanto a distrital filmada recebendo dinheiro.

Todos os deputados alvo da cobrança do MPDFT têm suspeita de participação no suposto esquema de corrupção do governo Arruda. Em conversa interceptada pela Polícia Federal (PF) durante as investigações que levaram à Operação Caixa de Pandora, o então governador do DF fala de distribuição de dinheiro para aliados em diálogo com o então chefe da Casa Civil, José Geraldo Maciel, e com Durval Barbosa, que já colaborava com o Ministério Público. No início da conversa, Arruda pergunta a Maciel qual era a despesa com políticos. (AMC)

1 - Providências Além de conseguir afastar a deputada Eurides Brito (PMDB) do mandato na Câmara Legislativa, o Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (NCoc) do MPDFT obteve o bloqueio dos bens da peemedebista e dos ex-deputados Leonardo Prudente (sem partido) e Júnior Brunelli (PSC). Os promotores também conseguiram afastar todos os distritais investigados na Operação Caixa de Pandora dos atos que envolviam o processo de impeachment contra o então governador José Roberto Arruda. Nesse caso, os suplentes foram convocados.

Atingidos pela crise

José Roberto Arruda Desde que deixou a prisão em abril, o ex-governador tem permanecido recluso e não tem sido visto publicamente. Nos últimos dias, esteve fora do DF descansando numa praia. Até a Operação Caixa de Pandora, ele era considerado candidato forte à reeleição, mas está fora da disputa de outubro porque não tem partido político. Aliados avaliam que ele ainda mantém uma base eleitoral, apesar das denúncias de que comandava esquema de corrução para enriquecimento ilícito e compra de apoio político. A aposta é de que ele deve tentar disputar mandato de deputado federal em 2014.

Paulo Octávio Desde que deixou o GDF em fevereiro, Paulo Octávio tem se dedicado exclusivamente aos negócios. Ele sempre planejou concorrer ao GDF, mas já havia aceitado ser o vice novamente. Com a prisão de Arruda, ele assumiu o Executivo e tentou manter a governabilidade. Não conseguiu, no entanto, apoio político para permanecer no comando. Chegou a anunciar a renúncia, voltou atrás e depois seguiu com a ideia de deixar o governo. Também se desfiliou do DEM para evitar processo de expulsão. Por causa disso, está impedido de se candidatar em outubro. Mas analisa a possibilidade de candidatura da esposa, Anna Christina Kubitschek.

Leonardo Prudente Filmado recebendo dinheiro das mãos de Durval Barbosa e guardando as notas nos bolsos e nas meias, Leonardo Prudente pediu desfiliação do DEM porque o partido pretendia expulsá-lo, com os mesmos fundamentos que envolviam os casos de Arruda e Paulo Octávio. Não pode, então, concorrer. Mas a renúncia ao mandato na Câmara Legislativa lhe garantiu a elegibilidade para disputar eleições em 2014. Agora, ele se vê às voltas com os processos judiciais. Está com os bens bloqueados e responde a ação de improbidade administrativa, com pedido de devolução de R$ 6,3 milhões.

Júnior Brunelli Autor da oração da propina, Brunelli (PSC) renunciou ao mandato de distrital, mas deve concorrer em outubro a um cargo na Câmara tem chances de se eleger com votos da base evangélica da Igreja Casa da Bênção, fundada pelo pai, o missionário Doriel de Oliveira. Também está com os bens bloqueados e responde a ação de improbidade administrativa em que o MP cobra uma dívida de R$ 5,5 milhões do distrital.

Eurides Brito Decidiu brigar pelo mandato na Câmara e corre o risco de se tornar inelegível pelos próximos oito anos caso os colegas confirmem a cassação. Por força de ação do MP, Eurides está afastada do cargo enquanto durarem o processo por quebra de decoro e a ação de improbidade administrativa a que responde pelo recebimento de dinheiro das mãos de Durval. A distrital está com os bens bloqueados.

Rogério Ulysses Está fora das próximas eleições porque foi expulso do PSB devido ao suposto envolvimento nas denúncias apontadas na Caixa de Pandora. Ainda deverá responder a ação por infidelidade partidária. A legenda prepara a petição para ajuizar no Tribunal Regional Eleitoral. Enquanto isso, ele exerce o mandato. A representação por quebra de decoro parlamentar está parada.

Outros deputados Além de Rogério Ulysses (sem partido), os deputados Aylton Gomes (PR), Rôney Nemer (PMDB) e Benedito Domingos (PP) e os suplentes Pedro do Ovo (PRP) e Berinaldo Pontes (PP) foram citados como beneficiários de mesada paga em troca de apoio político em conversas do ex-governador Arruda e do ex-chefe da Casa Civil José Geraldo Maciel, gravadas pela PF com escuta ambiental presa ao corpo de Durval. Benício Tavares (PMDB) também aparece como recebedor de pagamentos mensais. Por causa disso, todos são alvo de representação por quebra de decoro. Mas os processos estão parados e eles planejam concorrer à reeleição em outubro.

Domingos Lamoglia Filmado recebendo dinheiro de Durval Barbosa, o conselheiro Domingos Lamoglia está afastado do cargo no Tribunal de Contas do DF desde dezembro. Ele responde a processo administrativo disciplinar que pode levar à pena máxima prevista na lei: a aposentadoria proporcional por tempo de serviço. No caso de condenação transitada em julgado, ele poderá perder o cargo definitivamente.

Leonardo Bandarra Citado por Durval como beneficiário de pagamentos em troca de vazamentos de informações privilegiadas, o procurador-geral de Justiça do DF responde a procedimento no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) ao lado da promotora Deborah Guerner. A pouco mais de um mês do fim do mandato, ele pode ser afastado do cargo na próxima semana e ainda responder a processo administrativo disciplinar.

Secretários fortes Antes da Operação Caixa de Pandora, os secretários de Governo, José Humberto Pires, e de Obras, Márcio Machado, eram considerados nomes fortes para concorrer a mandatos de deputado federal com apoio de Arruda. Citados como supostos operadores do esquema de corrupção, agora dificilmente disputarão a eleição.