Título: Controle de capitais está fora do radar do BC
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 24/03/2006, Brasil, p. A2

Difícil, praticamente impossível, o Banco Central adotar alguma medida de controle do ingresso ou da saída de capitais para conter a valorização da moeda doméstica. Na verdade, tal linha de intervenção não chegou a ser cogitada, apesar dos rumores que correm no mercado, e, se a autoridade monetária tivesse pensado em acionar mecanismos dessa natureza, teria que tê-lo feito no ano passado. Agora, o momento não se mostra mais oportuno por razões fortes: as condições externas e internas já estão mudando, e para uma direção diversa da que prevaleceu em 2005. Internamente, a campanha eleitoral começou, o que naturalmente traz alguma incerteza. A economia começa a apresentar sinais de recuperação e as importações vão continuar crescendo. Externamente, os mercados financeiros não tendem a sofrer grande deterioração este ano, mas as condições não serão tão espetaculares para o balanço de pagamentos do país quanto foram em 2005. As expectativas são de que o Fed prossiga aumentando a taxa de juros americana, hoje em 4,5%, assim como o Banco Central Europeu (BCE), o que pode reduzir a oferta de moeda estrangeira para países emergentes. Tudo conspira para, se não depreciar um pouco, pelo menos estabilizar a taxa de câmbio no patamar em que se encontra. Assim, se o BC não colocou no seu radar medidas de controle do ingresso ou saída de capitais em meados do ano passado, quando as condições talvez pudessem justificar algum movimento nessa direção - em setembro de 2005 o cenário de liquidez internacional era melhor do que hoje, e o diferencial de juros externo e interno maior - não há argumentos para sustentar que o faça agora. Há uma vasta literatura sobre a eficácia de medidas de controle de capitais, mas este é um tema ainda bastante controverso entre os estudiosos. O FMI, que em 1977 chegou a sugerir colocar entres seus propósitos a liberalização da conta de capitais, foi surpreendido pela crise financeira que se espalhou pela Ásia, afetando justamente países que haviam realizado uma recente abertura de suas contas de capitais e preservando outros, como China e Índia, que mantinham esses fluxos sob controle. O debate no FMI foi enterrado e várias autoridades financeiras do mundo começaram a admitir controles em casos de crise cambial. Hoje, há um certo consenso de que ele pode ser útil em momentos dramáticos de crise de balanço de pagamentos, pelo menos para dar tempo ao governo para tomar medidas mais eficazes. Caso que não se aplica ao Brasil de agora. Inúmeros, porém, são os efeitos nocivos que essas restrições criam na economia. Estudo feito pela professora do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Kristin Forbes, intitulado "The Microeconomics Evidence on Capital Controls: No Free Lunch", com várias experiências de países que adotaram medidas de controle de capitais, mostra que, em geral, são vários os efeitos colaterais. De fato, ao impor restrições à entrada - como o Chile, que adotou a quarentena- muda-se a composição dos capitais, mas não sua quantidade. Reduz-se o ingresso de curto prazo e aumenta-se o de longo. Mas isso penaliza o país com o aumento do custo do financiamento e prejudica sobretudo as empresas de médio e pequeno porte, que têm mais dificuldades de acesso aos financiamentos de longo prazo nos mercados financeiros internacionais.

Cenários externo e interno estão mudando

Ainda como subproduto, os mecanismos de controle, segundo Forbes, tornam ineficiente a alocação dos recursos e distorcem as decisões de empresas e indivíduos, que vão em busca de alternativas para minimizar os custos e as restrições desses controles. Exercer esses controles também não é algo trivial, mesmo em países com sólidas instituições e pouca tradição de corrupção. Márcio Garcia e Bernardo Carvalho, da PUC-Rio, concluíram um detalhado trabalho sobre o tema, tomando a experiência do Brasil nos anos 90, quando o regime era de câmbio fixo e os controles sobre o ingresso de capitais externos bem mais fartos do que os de hoje. A conclusão básica do documento é que as medidas de restrição à entrada de moeda estrangeira, em busca de ganhos de curto prazo, produziram efeitos por um curto espaço de tempo - entre dois e seis meses. Os autores analisaram como os agentes de mercado conseguiram driblar os controles através de sofisticadas operações financeiras, principalmente com derivativos, caso a caso - da resolução 63 "caipira" às operações com debêntures da Siderbras ou moedas de privatização - tornando as restrições ineficazes. A conclusão do minucioso estudo é que, ainda que possam ser desejáveis sob determinadas circunstâncias, os controles sobre ingresso de capitais têm baixa eficiência, dada a sofisticação dos mercados, que contornam as regras por brechas legais. Portanto, é melhor não se gastar muito chumbo com medidas dessa estirpe. No governo, prevalece a convicção de que com pequenas variações, a taxa de câmbio em vigor é retrato das notáveis mudanças macroeconômicas ocorridas no país nos últimos anos e não há muito a fazer para mudar isso. Trata-se de um novo patamar de equilíbrio, que veio para ficar e contra o qual é inútil brigar. Uma vertente de analistas não acredita muito nessa visão e entende que a taxa de câmbio está apreciada por causa da arbitragem. Ou seja, os dólares que entram no país em profusão, impulsionados pela farta liquidez internacional, vêm em busca do diferencial entre as taxas de juros externas, modestas, e as internas, astronômicas. Portanto, este seria o principal motivo para a valorização do real. Esse é um argumento a ser considerado mas ainda a ser testado, pois em setembro do ano passado o diferencial de juros era maior do que hoje e a taxa de câmbio, em média, estava ao redor de R$ 2,30. O caminho que o Banco Central vem trilhando nos últimos dez anos é o da liberalização do mercado de câmbio e não há, hoje, qualquer indício de que mudará essa trajetória. A menos que o candidato à Presidência da República que vencer nas urnas em outubro assuma com idéias totalmente distintas.