Título: Quem vai mandar na Câmara em 2007
Autor: Maria Cristina Fernandes
Fonte: Valor Econômico, 24/03/2006, Política, p. A14

O perfil da Câmara dos Deputados em 2007 começou a se desenhar a partir da noite da última quarta-feira, quando o Supremo Tribunal Federal validou a norma da verticalização para as eleições. Com a decisão, abriu-se uma larga avenida para que o PMDB venha a fazer a maior bancada na Casa. Se não houvesse outros, este já seria motivo suficientemente forte para manter o partido sem candidato em outubro. Depois de ter ficado em terceiro lugar em número de eleitos em 2002, o PMDB já divide com o PT a condição de maior bancada da Casa - ambos contam hoje com 82 cadeiras. Os petistas perderam nove cadeiras e os pemedebistas ganharam oito. O PMDB é o único, entre os quatro grandes partidos do Congresso, que termina a legislatura no lucro. O partido tem uma vantagem comparativa em relação ao PFL por sua maior presença em chapas competitivas para as disputas majoritárias do centro-sul. É o PSDB que tem mais chances de rivalizar com a bancada do PMDB, especialmente se vingar a candidatura do prefeito de São Paulo, José Serra, ao governo do Estado. O maior partido da Câmara também reinará numa legislatura que deverá ser marcada pela predominância das grandes bancadas. Com a entrada em vigor da cláusula de desempenho, o número de legendas que têm cadeira na Câmara - hoje 17 - deverá se reduzir a menos da metade. Os partidos que não alcançarem 5% de todos os votos do país para deputado federal, sendo 2% dos votos em pelo menos nove Estados, continuarão tendo assento na Casa, mas ficarão privados do fundo partidário, do horário eleitoral gratuito e dos cargos em comissões. Ou seja, estarão longe dos recursos de poder que garantem sua sobrevivência parlamentar. Na nova Câmara, portanto, a formação de uma maioria parlamentar, tal como foi montada por Lula, estará inviabilizada. Dos três partidos envolvidos no mensalão - PTB, PL e PP - apenas o último teria superado a cláusula de desempenho se esta estivesse em vigor em 2002. A negociação do Executivo com o Congresso, seja quem for o presidente, se dará por meio dos caciques das grandes legendas. As quatro maiores dificilmente deixarão de ser PFL, PSDB, PMDB e PT. Com as duas primeiras em aliança, o PMDB passa a ser garantia de maioria confortável para um governo tucano e condição de governabilidade para uma administração petista. Para Jairo Nicolau, o professor do Iuperj e atualmente pesquisador no Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford, a marca das grandes legendas condicionará não apenas a relação entre o Executivo e o Legislativo mas a própria repartição do poder na Esplanada dos Ministérios. O próximo governo, diz, será necessariamente de coalizão e sem a predominância hoje exercida pelo PT. Os petistas acusaram o golpe na última reunião do diretório nacional. Uma das prioridades definidas foi a organização do partido nos 867 municípios que faltam para a totalização nacional da legenda. "Não basta reeleger Lula; é preciso criar as condições para realizarmos um segundo mandato presidencial superior ao atual, o que passa por eleger mais governadores, senadores, deputados federais e estaduais ligados ao PT", diz o dirigente petista Valter Pomar em texto sobre o encontro.

PMDB habilita-se a fazer a maior bancada

A maior dificuldade para isso será a dificuldade do partido em repetir os puxadores de votos de 2002. Esta eleição foi marcada pela taxa atipicamente baixa de votos brancos e nulos- 7,6%. Nas eleições dos últimos 20 anos, esta taxa ficou na média de 33%, chegando a 43% em 1990. Segundo Nicolau este patamar não tem precedentes em eleições parlamentares de todo o mundo democrático. Com a queda no percentual brancos e nulos, muitos parlamentares tiveram votações elevadas. Em 1998, apenas nove deputados de quatro estados tiveram votações superiores a 200 mil votos. Em 2002, 26 parlamentares, de nove estados, receberam mais de 200 mil votos. Tirando Enéas e seu 1,5 milhão de eleitores, o campeão da atual legislatura foi o ex-deputado José Dirceu (556 mil votos). Jairo Nicolau acredita que o percentual de votos brancos e nulos possa ter uma ligeira alta, em função do protesto eleitoral. Mas, como atribui a explosão de votos válidos preponderantemente à urna eletrônica, não acredita que o patamar alcançado em 2002 seja substancialmente alterado. Beneficiam-se, assim, legendas com bons puxadores de voto. O difícil é imaginar, numa legislatura a ser marcada por um grau de renovação superior à média, quem serão esses puxadores. O perfil do próximo Congresso é a chave para os próximos quatro anos de governo. Seja qual for o presidente eleito, o Congresso deverá se defrontar com uma agenda de supressão de direitos trabalhistas e previdenciários. O PT, mesmo na eventualidade de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser reeleito, deve perder a condição de maior bancada da Casa. Pode perder cadeiras em número suficiente para deixar um segundo mandato petista mais dependente de uma forte aliança ao centro, mas não deverá se reduzir a ponto de facilitar uma agenda congressual impopular num governo tucano. Se reeleito, Lula dificilmente repetiria o erro de começar a agenda de reformas pela Previdência. A precedência deve ser dada às reformas sindical e trabalhista, nesta ordem. É provável que o PT, no discurso intramuros, venha a repetir a estratégia de 2002: é o partido em melhores condições de presidir um governo com supressão de direitos sociais porque tem ascendência sobre a contestação organizada. Uma vez na oposição, o partido, sem os incentivos do poder, ameaça voltar à guerrilha do plenário, passando de muleta a obstáculo a essas reformas. Ainda carece uma combinação com o eleitor. Se o governo, aparentemente, ampliou o apoio de Lula na base da sociedade, é provável também que tenha afetado negativamente o voto petista nas corporações, que sempre tiveram grande poder de mobilização nas eleições proporcionais, e podem migrar para legendas menores, como o PSOL que estará ameaçado pela cláusula de desempenho. Sem a intermediação das corporações, e sendo o debate político marcado pela agenda moralista, prevalecerá a máquina partidária. Dominarão a Câmara os partidos que dela se valerem.