Título: Deixa de ser tabu no Chile a cessão de uma saída ao mar para a Bolívia
Autor: Cláudia Schüffner
Fonte: Valor Econômico, 24/03/2006, Internacional, p. A16

Cresce no Chile o debate em torno da possibilidade de ceder território à Bolívia, o que permitiria a esse país recuperar uma saída para o mar. Até um ex-comandante militar defendeu essa medida, e os militares são tradicionalmente um foco de oposição à negociação territorial. Os dois países têm novos presidentes. Quebrando o gelo das difíceis relações diplomáticas, o boliviano Evo Morales esteve na posse de Michelle Bachelet. "Hoje as condições para explorar a possibilidade [de acesso ao mar] já estão determinadas", disse o ex-comandante da Marinha chilena, Jorge Arancibia. "Devemos fazer uma negociação de mútua conveniência, onde finalmente se estabelecerá a doação de território para a Bolívia, o que permitirá um desenvolvimento integral da região, levando a uma integração energética e hídrica." A Bolívia se nega a vender gás ao Chile, que sofre com a falta do produto. Os chilenos querem ainda comprar água da Bolívia. Arancibia, senador pela União Democrata Independente, (UDI), de direita, disse que Bachelet pode contar com ele e elogiou a postura adotada por Morales de ir ao Chile para a posse, interrompendo décadas de jejum diplomático. "A postura dele me pareceu muito adequada, pois permite imaginar o nível de respeito que tem e, portanto, suas capacidades de negociação." Essa é a primeira vez que autoridades chilenas admitem negociar o assunto. A questão voltou à tona com a reivindicação de Morales e a disposição de Bachelet de normalizar a situação com o vizinho. A Bolívia perdeu o acesso ao Pacífico para o Chile na guerra de 1879-84 e há décadas tenta recuperá-lo. Os dois países romperam relações desde 1978, com o fracasso das negociações. Tradicionalmente, os chilenos se recusaram a discutir o assunto, alegando que a questão de fronteira com a Bolívia foi resolvida num tratado de 1904. Nesta semana, Morales afirmou que reataria relações diplomáticos com o Chile com a condição que "todos os problemas pendentes" fossem resolvidos. O Chile aceita, mas sem condições. "Restaurar os laços diplomáticos é um objetivo do nosso governo", disse o porta-voz de Bachelet. "Queremos o diálogo sem exclusões [de temas], mas também sem condições." O governo boliviano promoveu ontem, no Dia do Mar, uma campanha publicitária convidando a população a marchar pela capital, La Paz, para pressionar o Chile. Na Argentina, o chanceler chileno, Alejandro Foxley, disse que Bachelet e Morales desenvolveram uma relação muito pessoal. "Isso foi muito bom e não há razão para nós não progredirmos gradualmente, até que conversemos sobre as questões mais difíceis", disse. O novo cenário pode deixar o Peru numa situação difícil. O país precisa avalizar qualquer acordo de alteração de fronteira na região, e já disse várias vezes ser contra.