Título: Medidas certas, homem errado
Autor: Matthew Lynn
Fonte: Valor Econômico, 24/03/2006, Opinião, p. A23

Premiê francês não tem base de poder para implementar mudanças nas leis trabalhistas

Protestos em massa nas ruas. A polícia antidistúrbios mobilizada em Paris. Um "dia de ação" é planejado pelos sindicatos. As coisas dificilmente poderiam estar piores para o primeiro-ministro francês Dominique de Villepin, atualmente alvo de uma barragem de críticas. Seus esforços para insuflar alguma flexibilidade nas moribundas leis trabalhistas francesas provocaram uma onda de oposição que ainda poderá pôr fim ao seu mandato - e muito provavelmente prejudicará suas chances de conquistar a Presidência no ano que vem. Na realidade, ele é o homem errado, implementando as medidas certas. Ele não tem base de poder, nenhum apoio de seu partido e tem um presidente que some de vista sempre que há problemas econômicos. E ainda pior é o fato de Villepin ter insuflado as chamas do nacionalismo econômico e do protecionismo. Ele dificilmente poderia reclamar caso saia chamuscado nesse processo. Nada há de errado nas mudanças propostas por Villepin, exceto, talvez, sua timidez e complexidade. A CPE, como a nova lei é conhecida na França, não impactaria a maioria das pessoas em outros países como algo incendiário. O projeto de lei permitiria que as companhias demitissem pessoas com menos de 26 anos em seus primeiros dois anos de contratação, sem aviso prévio ou indenização por desligamento da companhia. A lei é extremamente necessária. A França tem um desemprego esmagador, que mostra poucos sinais de queda, mesmo com a recuperação da economia. A taxa é de 9,6% em nível nacional e 22,2% entre os jovens. A primeira coisa que qualquer visitante à França nota é que funcionários são raros. De caixas de supermercados a locadoras de vídeo e à recepção nos hotéis, tudo é automatizado. As empresas fazem qualquer coisa para evitar a contratação de pessoal. Essa não é uma economia saudável. Se as companhias francesas dedicassem o mesmo esforço e investimentos que dedicam a evitar a contratação de novos funcionários na criação de novos produtos, a economia sofreria uma transformação. Os protesto começaram com algumas centenas de estudantes universitários em Paris e em seguida alastraram-se em manifestações de estimadas 350 mil pessoas na capital francesa no fim de semana passado. Agora, os sindicatos estão ameaçando com uma greve em nível nacional na próxima semana, se o projeto de lei não for abandonado. Não se pode descartar os manifestantes contrários à lei como apenas um punhado de militantes. As pesquisas de opinião revelam que mais de 65% do eleitorado francês opõem-se ao projeto de lei.

Não se pode descartar os manifestantes contrários à lei como apenas um punhado de militantes; mais de 65% dos franceses opõem-se ao projeto

Então, por que os franceses estão tão relutantes a aceitar uma medida que no restante do mundo seria vista como expressão de bom senso básico? Há três explicações possíveis. Em primeiro lugar, pelo menos duas gerações de propaganda anticapitalista disseminada por intelectuais convenceram a França de que livres mercados são um problema, e não solução. Não se trata apenas de um clichê; os franceses são realmente antiempresariado. Recente pesquisa de opinião da GlobeScan e do Programa Sobre Atitudes em Política Internacional da Universidade de Maryland perguntou a pessoas em 20 países se o sistema de livre empresa é o melhor. Apenas 36% dos franceses responderam sim, ao passo que 50% disse não. Esse foi o menor nível de apoio ao sistema de livre mercado. Em contraste, responderam afirmativamente 74% dos chineses, 71% dos americanos e 65% dos alemães. Em segundo lugar, a força de trabalho na França é dividida entre "incluídos" e "excluídos". "O mercado de trabalho francês é dividido em dois campos - onde de um lado há trabalhadores extremamente protegidos (funcionários públicos e empregados com contratos permanentes, predominantemente em grandes companhias) e, de outro lado, empregos bastante flexíveis (estágios, contratos de curto prazo, empregos temporários) para recém-chegados ao mercado de trabalho, imigrantes e, de modo mais geral, trabalhadores não-especializados", disse Eric Chaney, um economista do Morgan Stanley, em nota a investidores na semana passada. "A razão pela qual universitários e secundaristas estão protestando, por vezes violentamente, é óbvia: eles consideram essa situação extremamente injusta - por que deveriam eles aceitar reformas, enquanto ninguém questiona os privilégios dos 'incluídos'?" Sem dúvida. Não há razões pelas quais o custo da liberalização deva ser pago apenas pelos jovens, ou por trabalhadores temporários, por autônomos ou empregados de pequenas empresas. A França precisa de um contrato de trabalho bem mais simples, que abranja todos os trabalhadores, inclusive os pertencentes ao inchado setor estatal. Se determinado grupo for escolhido como vítima, evidentemente, protestará. Por último, tanto Villepin como seu governo, não enfatizaram um argumento consistente em defesa de mudanças. Nas últimas semanas, ele vem praticando uma política de "patriotismo econômico" tão intelectualmente analfabeta quanto quaisquer dos cartazes brandidos pelos manifestantes. Não faz sentido proibir as empresas de demitir trabalhadores se eles não são mais necessários. E não faz sentido impedir que concorrentes internacionais adquiram companhias francesas. Os diretores da Suez SA, que Villepin vem protegendo de aquisições estrangeiras, deveriam ficar sujeitos ao mercado exatamente na mesma medida que os estudantes. Ou isso ou aquilo. Ou as elites política e industrial francesas acreditam em mudanças ou desacreditam delas. Villepin não demonstrou disposição para aceitar o veredicto do mercado, e assim, por que aceitariam os cidadãos franceses?