Título: 'Cai-não-cai' mina confiança dos pregões
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 24/03/2006, Finanças, p. C2

A crise envolvendo o ministro da Fazenda Antonio Palocci tornou o mercado brasileiro completamente refém da volatilidade externa. A transferência do que acontece lá fora para os mercados locais é feita instantaneamente, sem a menor chance de rebeldia. E, quando a tendência internacional é, como ontem, negativa, o repasse exacerba a piora original. Embora a possibilidade de independência tenha se tornado cada vez mais remota após a globalização das finanças, a atual operação por reflexo condicionado mostra a contaminação da economia brasileira pela crise de credibilidade e incerteza associada ao cai-não-cai de Palocci. Os analistas traçam três cenários possíveis. O primeiro, mais desejável, é uma volta por cima do ministro. Como já fez em escândalos anteriores, o ministro viria a público desmentir firme mais serenamente as acusações, restabelecendo a normalidade das operações e a confiança dos mercados. O segundo, também visto com bons olhos, seria a rápida troca do ministro por um nome que desfrutasse de credibilidade máxima. Mas o mercado não quer um ministro-tampão, alguém que ocupe a principal pasta do governo apenas até a nomeação do homem forte para a economia em um segundo mandato de Lula. O terceiro, o pior dos mundos, é o prolongamento do que está acontecendo agora: Palocci enclausurado no Palácio do Planalto, sem comparecer a eventos, sem fazer discursos e sem dar explicações à imprensa. Parece, ao mercado, que a economia está sem comando e a equipe, desarticulada. "A política econômica precisa da participação ativa do 'comandante'. O distanciamento do ministro está fazendo mal nesse sentido: se não é capaz de 'derrubar' as bolsas, por outro lado ele impede a continuidade do saudável processo de crescimento brasileiro", diz o economista-chefe da Global Invest Asset, Pedro Paulo da Silveira. O economista lembra que o mundo já anda um pouco menos propenso a manter grandes apostas em países emergentes menos promissores em termos políticos e em termos de crescimento. "A inação da política econômica pode ajudar a acelerar as decisões de saída dos investidores internacionais de nosso mercado e colaborar ativamente para uma inversão da trajetória otimista atual", diz Silveira.

Dólar e juros exacerbam tendência vinda de fora

Os grandes fundos globais estão cada vez mais seletivos. Ajustam os seus portfólios ordenadamente diante da possibilidade de um reaperto monetário mundial. Já não compram mais qualquer moeda ou bônus de emergente. A prioridade é conferida aos países que associam forte crescimento e calmaria política. Não é o caso do Brasil, país que só oferece a maior taxa de juros do mundo. O estresse observado ontem pelos mercados não parece justificável à luz do que aconteceu lá fora. Um dado de menor importância entre os tantos que aferem a saúde da economia americana - a revenda de casas em fevereiro subiu 5,2%, um pouco acima do esperado - fez o juro do treasury de 10 anos avançar de 4,70% para 4,73%. Praticamente nada. Mesmo assim, o dólar fechou aqui em alta de 0,41%, para R$ 2,1620. A Bovespa caiu mais do que o recomendado por Nova York. Enquanto o Dow Jones recuou 0,41% e o Nasdaq cedeu 0,13%, o IBovespa fechou em desvalorização de 0,99%. E os juros longos, justamente os que refletem o grau de confiabilidade de uma política monetária, foram os únicos que retrocederam no mercado futuro da BM&F. Quanto mais distante o vencimento, maior foi a queda. Enquanto os contratos para as viradas do trimestre e do semestre ficaram estáveis, respectivamente, em 16,31% e 15,76%, o CDI previsto para a virada do ano subiu de 15,10% para 15,12% e o estimado para a passagem de 2007 para 2008 avançou de 14,61% para 14,68%. "Quanto mais o governo protelar sua decisão em torno da permanência de Palocci, mais nos aproximaremos de um cenário ruim para bolsas, câmbio, juros e, infelizmente, para o crescimento econômico", diz o economista da Global Invest.