Título: Quando só baixar tarifa não resolve
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 27/03/2006, Brasil, p. A2

Quando reduziu a zero a tarifa de importação de fertilizantes, em fevereiro, o governo quis agradar aos agricultores com a queda nos preços de um dos principais fatores de custo na produção rural. Mas os preços não se mexeram, e não saíram os esperados aplausos dos agricultores, que, em vez disso, continuam de mãos estendidas, pedindo ao governo renegociação de dívidas. Em compensação, os produtores de fertilizantes no país começaram um insistente lobby pela volta dos imposto de importação e ameaçam paralisar investimentos previstos em fábricas brasileiras. De US$ 2,8 bilhões. Com a produção rural em alta e a capacidade limitada das indústrias de componentes para fabricação de adubo, a queda no custo da importação deveria ser saudada pelos potenciais beneficiários. Trata-se, afinal, de reduzir preços de insumos que somam um quinto dos custos de um setor responsável por recordes de exportação. "Esse é o tipo de medida que traz mais ganho de ordem política, retórica, que prática", reclama, porém, a advogada Sílvia Pinheiro, da Guedes e Pinheiro, Consultoria Internacional. Sílvia fala pela indústria de fertilizantes instalada no país, que a contratou, entre outros especialistas, para defender a volta da tarifa. O que é inédito é a concordância de especialistas ligados ao outro lado do balcão, o dos consumidores de adubos. "Essa medida foi incluída na chamada 'MP do Bem' sem que nós fossemos sequer consultados", comenta o chefe do departamento econômico da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Getúlio Pernambuco. "Todas as vezes que o governo reduziu essa alíquota, o setor não viu queda equivalente na ponta, nos preços do varejo", critica ele. Os misturadores, empresas que importam a uréia, o potássio e os fosfatos para os adubos, são quem aproveita o corte nos preços da importação, garante ele. Com poucos atores no setor - na maioria grandes corporações, como a Bunge e a Mosaic (ex-Cargill) -, os que reclamam da medida também são, muitas vezes, os beneficiários dela. Se é séria a ameaça de reduzir investimentos no setor, poderão por exemplo, limitar a produção nacional de uréia para importar de regiões como o Leste Europeu. Para os técnicos da CNA, iniciativas como a redução na alíquota dos importados são paliativos inúteis para problemas mais sérios, como a queda dos preços internacionais em um momento de real supervalorizado - que obriga os produtores a cortarem ainda mais os preços em dólares, comprimindo as margens de lucro. "Um problema real são os impostos internos que o produtor no Brasil paga e não oneram o arroz ou o trigo importado dos países do Mercosul e os produtos de outros países", diz Pernambuco. O imposto de importação de fertilizantes, segundo a Tarifa Externa Comum do Mercosul, é de 6%, mas o produto tem sido repetidamente incluído pelo Brasil na lista de exceções. Na última inclusão, a alíquota estava em 2%. Uma alíquota pequena, que explica, em parte, a falta de entusiasmo dos produtores com a mais recente redução, para 0%. Mas é suficiente para incomodar muito os produtores de fertilizantes no país.

Redução de alíquota é paliativo inútil, diz CNA

"A falta de regularidade nas regras de política industrial desestimula os investidores", argumenta o vice-presidente do Sindicato de Produtores de Matérias-Primas para Fertilizantes, Luiz Antônio Bonagura. Ele também se queixa das incertezas em relação a uma matéria-prima essencial no setor, o gás natural, e lembra que o Brasil já importa quase 85% do potássio, 55% dos nitrogenados e 45% dos fosfatados. A maior abertura só aumentará a dependência dos fornecedores estrangeiros, diz. "Estreitando cada vez mais a margem de lucro da indústria, o governo só represará investimentos", queixa-se ele. Com esses argumentos - e uma planilha de investimentos suspensos de US$ 2,8 bilhões em fábricas de insumos para fertilizantes - Bonagura peregrina pelos gabinetes de Brasília, tentando restabelecer o imposto sobre fertilizantes. Sem ganhos políticos com a medida, porém, o governo também vê poucos atrativos em revisá-la no segundo semestre, em plena campanha eleitoral. O Ministério da Agricultura insiste que a medida trará benefícios sensíveis aos agricultores. Só falta convencê-los disso.

Desencanto com a Europa

O principal negociador brasileiro nas discussões comerciais com a União Européia, Régis Arslanian, voltou muito frustrado, e desconfiado, do último encontro com os europeus, na semana passada. As negociações para um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Européia, como se sabe, empacaram em 2004, principalmente devido à recusa da União Européia em ampliar as cotas para produtos agrícolas. As últimas propostas européias foram consideradas "totalmente insuficientes" por especialistas do setor, como os técnicos do Icone - centro de estudos sustentado pelo lobby agrícola -, que culpa também o Mercosul pela paralisação das conversas, devido à resistência em abrir mais rapidamente setores como o automobilístico. Arslanian se diz "confundido" pelos negociadores europeus, que, enquanto garantiam ter muito interesse em avanços na negociação, diziam à imprensa não dar prioridade às negociações com o Mercosul, por preferirem negociar na OMC. O Mercosul ofereceu livre comércio de automóveis em 18 anos, o que não é pouco, argumenta. "Mas vale a pena oferecer aos europeus a prestação de serviços de telefonia, sem necessidade de instalações nos países do Mercosul, por exemplo, em troca de 20 mil toneladas a mais na cota de exportação de carne?" pergunta, ao explicar por que acha "pífias" as ofertas européias. Depois de fazer esforços para ampliar as propostas do Mercosul, a fria recepção dos europeus deixa sérias dúvidas sobre o que realmente quer a União Européia, em relação ao Mercosul, desabafa Arslanian.