Título: ONGs criticam atraso em exames e falta de remédios
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 27/03/2006, Brasil, p. A3

O programa brasileiro de aids permanece anos-luz à frente dos seus similares em outros países em desenvolvimento, conforme apontam relatórios elaborados pela ONU, mas entidades não-governamentais denunciam a multiplicação de problemas nos últimos três anos. Escassez de material para detectar o vírus HIV, demora na realização de exames necessários para pacientes em tratamento, distribuição irregular de preservativos e fracionamento de remédios na rede pública são incidentes cada vez mais comuns, apontam as ONGs. "As duas gestões do governo Lula no setor são desastrosas", critica Veriano Terto, coordenador da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), fundada em 1986 pelo sociólogo Betinho. Ele refere-se aos períodos de Humberto Costa e Saraiva Felipe à frente do Ministério da Saúde. Segundo o coordenador da Abia, tem havido escassez até para a realização de exames de detecção do vírus. "Há pessoas aqui no Rio, às vezes até com sintomas da doença, que esperam dois ou três meses para receber o diagnóstico inicial." diz. A situação é semelhante em Sâo Paulo, onde faltam kits no maior hospital especializado em doenças infecciosas da cidade, o Emílio Ribas, afirma Jorge Beloqui, diretor do Grupo de Incentivo à Vida (GIV). Os soropositivos ainda recebem atendimento muito melhor no serviço público do que pacientes de outras doenças, mas temem a queda na qualidade. "Não lutamos para conseguir avanços, mas para manter o que já foi possível conquistar." Segundo pacientes e médicos, uma das maiores fontes de dores de cabeça atuais é a demora na realização de exames de carga viral (para detectar a quantidade de vírus no organismo) e de CD4 (para medir a resistência). Esses testes balizam o tratamento a ser prescrito pelos médicos. No caso dos testes de genotipagem, que identificam a resistência do paciente às combinações de anti-retrovirais, a espera pode chegar a oito meses no Espírito Santo e a quatro meses em Brasília. Na rede particular, esses testem custam R$ 800. Mário Scheffer, do Grupo pela Vidda, lembra que a área de prevenção também enfrenta dificuldades. Em 2004, o governo havia prometido distribuir 600 milhões de preservativos, mas o número ficou abaixo de 200 milhões. Em 2005, o Ministério da Saúde comprou 667 milhões de preservativos, mas disse que os fornecedores internacionais tiveram problemas para entregar o material. Um dos problemas que mais afligem o ministério é a falta de anti-retrovirais. Em fevereiro do ano passado, houve falta de medicamentos, incluindo AZT, em vários Estados. O temor dos ativistas é que a escassez de matérias-primas no mercado internacional leve o governo a fracionar a distribuição do coquetel, dando os medicamentos a cada 15 dias, em vez de doses mensais ou bimestrais. O diretor do programa nacional de aids, Pedro Chequer, reconhece a baixa disponibilidade de remédios e de matérias-primas no exterio. Ele defende a quebra de patentes e o fortalecimento da produção nacional. Chequer diz que a demora na realização de exames se deve mais a falhas burocráticas, com atrasos nos processos de licitação, do que à falta de recursos. "Houve pregões em que os fornecedores se acertaram e ofereceram o mesmo preço", acusa Chequer. "Estamos nas mãos de uma máfia."(DR)