Título: Verticalização muda estratégia eleitoral
Autor: Fernando Luiz Abrucio
Fonte: Valor Econômico, 27/03/2006, Política, p. A9

A manutenção da regra da verticalização para as eleições de 2006, seguindo a decisão quase unânime do STF, terá vários efeitos sobre as estratégias eleitorais. Serão conseqüências, ademais, diferentes daquelas observadas em 2002, quando pela primeira vez houve a introdução desta medida. A eleição presidencial tende a ser distinta da que elegeu Lula, o mesmo ocorrendo com as disputas estaduais. O maior afetado pela verticalização foi o PMDB. Suas várias candidaturas com chances de vitória nos estados dependem, em muitos casos, da ampliação do leque de apoios. Por isso, lançar um concorrente à disputa presidencial pode diminuir o número de governadores, senadores e deputados federais eleitos. Este cenário se torna ainda mais complicado tendo em vista os dois objetivos que norteiam a maioria dos pemedebistas: proteger os interesses dos caciques regionais e montar a maior bancada do Congresso, com crescimento maior na Câmara federal. Já que não conseguiu articular uma chapa, solteira ou em parceria, capaz de vencer o pleito presidencial, o maior ganho que o PMDB pode ter é se tornar o fiel da balança da governabilidade a partir de 2007. Ter muitos votos e espalhar o nome do partido como alternativa nacional de poder, tal qual Garotinho pode fazer, vale menos do que a grande chance de se transformar na força decisiva para a montagem da maioria parlamentar do próximo presidente. Se a candidatura pemedebista for mesmo abandonada, a aliança PSDB-PFL será bastante prejudicada. Isto porque os votos do ex-governador fluminense tendem a migrar, em sua maior parcela, para o presidente Lula. O eleitorado de Garotinho é composto fortemente por pobres e evangélicos, dois segmentos mais próximos do líder petista, particularmente o de base religiosa, que tenderia a rechaçar o nome de Alckmin, muito vinculado à Igreja católica. Mas a verticalização também atrapalha a candidatura Lula. Em primeiro lugar, porque o PT terá mais dificuldades para montar alianças, seja com o PMDB, seja até com o PSB, partido mais próximo em termos ideológicos. Mais importante ainda: os tucanos terão candidatos fortíssimos nos dois maiores colégios eleitorais do País, São Paulo e Minas, e os petistas terão enormes dificuldades para montar uma frente partidária ampla contra Serra e Aécio.

PMDB credencia-se a ser a maior bancada

Portanto, os votos que Garotinho deixará para Lula poderão ser compensados pela ampliação da diferença entre tucanos e petistas nos dois maiores colégios eleitorais brasileiros. Esta hipótese depende também do desempenho dos dois principais candidatos no outro vértice do "Triângulo das Bermudas": o Rio de Janeiro. Aqui está uma das maiores incógnitas no campo da eleição presidencial. As pesquisas têm mostrado que o Nordeste é a Região que fornece, proporcionalmente, o maior número de votos a Lula. Com a verticalização, o candidato petista terá de procurar principalmente o PMDB para ampliar esta diferença. No caso do PSDB, sua tábua de salvação é o PFL, não só porque este partido tem bom desempenho nos estados nordestinos, mas porque será mais difícil conseguir o apoio de outras legendas. Interessante notar que, com a verticalização, os pefelistas ganham em importância na aliança em comparação com o seu papel em 1994 - o Plano Real era o grande cabo eleitoral - e em 1998 - quando o próprio presidente Fernando Henrique Cardoso já se tornara um líder nacional. Só que a montagem das alianças estaduais com o PFL não será fácil. Em Goiás é praticamente impossível. No Nordeste, onde os tucanos dependem mais dos parceiros, a situação em Sergipe e Bahia é bastante delicada. Mas a possibilidade de a eleição ser finalizada no primeiro turno, com Lula tendo nas pesquisas um alto índice de "votação espontânea", obrigará o PSDB a ceder mais do que deseja. Ao favorecer a bipolaridade eleitoral, a verticalização acirrará mais os ânimos entre os dois principais concorrentes. Porém, isto não se dará fundamentalmente em torno do programa de governo, uma vez que há, hoje, mais similaridades entre as políticas efetivamente implementadas por PT e PSDB do que ambos gostam de admitir. Parte do acirramento será alimentado pelo embate ético, com denúncias e mais denúncias sendo disparadas contra o adversário. Esta estratégia, no entanto, tem limites do ponto de vista eleitoral. Por isso, o mais provável é que o confronto se estruture em torno de estilos políticos e prioridades. Se houvesse mais candidatos, Lula e Alckmin seriam mais atacados por adotarem esta estratégia, seriam mais cobrados para debater no plano programático, relacionado às escolhas dos meios para realizar os fins desejados. Talvez uma candidatura como a de Roberto Freire, caso se mantenha até o final, seja a única capaz de matizar e problematizar as campanhas dos candidatos petista e tucano, para além do principismo de Heloísa Helena.