Título: Futuro do Conselho de Ética é posto em xeque
Autor: Thiago Vitale Jayme e Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Valor Econômico, 27/03/2006, Política, p. A10

Crise Orgão criado para substituir CCJ em processo de decoro parlamentar deve ser reformulado

A crise do mensalão ainda não terminou mas já há uma certeza praticamente consensual na Câmara dos Deputados: o sistema de julgamento de parlamentares fracassou e precisa de reformulações profundas. A começar pelo Conselho de Ética, criado em 2001 pelo então presidente da Casa e atual governador de Minas, Aécio Neves, dentro de um rol de medidas batizadas de pacote ético. O conselho assumiu a tarefa de conduzir os processos sobre quebra de decoro parlamentar, atribuição que cabia até então à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Mas no primeiro grande escândalo que enfrentou, o conselho não teve autoridade e força política para fazer valer suas decisões. Desde o início da crise do mensalão, dos dez parlamentares julgados pelo Conselho de Ética, oito tiveram seus mandatos cassados e apenas dois foram absolvidos. O quadro se inverteu no plenário da Câmara, onde apenas três - José Dirceu, Roberto Jefferson e Pedro Corrêa - foram cassados, e cinco outros foram perdoados. Cinco anos depois da frase de Aécio - "conseguimos um instrumento eficiente e adequado para preservação do decoro e da ética parlamentar" -, o conselho mostrou-se frágil para exercer sua missão. As falhas de regulamento o enfraqueceram. As mudanças de partido de seus integrantes lhe tiraram a representatividade. E os acordões do plenário protegido pelo voto secreto o desautorizaram. Os próprios conselheiros identificaram todos esses problemas e prometem iniciar um trabalho de reconstrução do órgão passada a tempestade mensaleira. O deputado Orlando Fantazzini (P-SOL-SP), ex-presidente do conselho, faz uma análise realista sobre o problema. "O conselho nunca havia sido testado de verdade até a crise. As falhas foram expostas frontalmente", afirma. Antes do mensalão, só o deputado André Luiz (PMDB-RJ) havia sido condenado no órgão, - decisão confirmada, posteriormente, em plenário. Outros processos chegaram, mas foram considerados improcedentes. A auto-crítica é feita pelo próprio presidente do conselho, Ricardo Izar (PTB-SP). O deputado determinou a criação de uma comissão interna do colegiado, a ser coordenada por Nelson Trad (PMDB-MS), para corrigir as imperfeições do regimento interno do conselho. Izar elenca quatro prioridades para o grupo de trabalho estudar. "Precisamos ter o poder de quebrar o sigilo dos investigados e convocar testemunhas, não apenas convidá-las, como ocorre hoje", afirma. "Também necessitamos que os prazos sejam contados por dias e não por sessões do plenário e garantir que os trabalhos de investigação continuem mesmo quando o Congresso estiver em recesso". Sem poder quebrar sigilo, o Conselho de Ética é obrigado a fazer um pedido à Mesa Diretora para receber os dados das CPIs. "Em alguns casos, demoramos dois meses para receber as informações", diz Izar. No caso das testemunhas, a maioria dos "convidados" pelos relatores dos processos recusou-se a ir. Marcos Valério de Souza, Rogério Tolentino, Delúbio Soares e Sílvio Pereira foram alguns dos que não falaram aos conselheiros. A questão dos prazos também emperrou o funcionamento do conselho, refém das sessões do plenário. Em diversas oportunidades, a apresentação de relatórios foi adiada por falta de quorum às segundas e sextas-feiras no plenário. Quando da convocação extraordinária, em janeiro e fevereiro, o conselho ficou imobilizado por quase um mês por causa da falta de sessões. São muitas as propostas de alteração e até extinção do conselho. Mas a grande maioria dos deputados ouvidos pelo Valor convergem para uma solução que restabeleça a legitimidade dos processos disciplinares contra deputados: a abertura dos votos do plenário. "Essa é a questão primordial. Alterar o conselho ajudará, mas de nada adiantará se continuarmos com a proteção aos votos, deixando o plenário sujeito aos acordões", afirma Izar. "Os acordos deixam a situação extremamente complexa. O problema de tudo que tem acontecido é do plenário e não apenas do conselho. O voto precisa ser urgentemente aberto", diz Fantazzini. "Não há dúvida sobre a necessidade de abrir o voto. O eleitor pode cobrar de seu parlamentar no estado. É mais transparente", completa Júlio Delgado (PSB-MG). A idéia tem respaldo nos colegas. Diversas propostas de emenda à Constituição já foram apresentadas sobre o tema. "Em uma delas, conseguiram colher mais de 240 assinaturas. É sinal de que a Casa está sensível à idéia", diz o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Sem opinar sobre o tema, Aldo pediu aos líderes que debatam o assunto com suas bancadas. Está entre as prioridades do presidente colocar o fim do sigilo em discussão depois de terminados os processos de cassações. O Congresso debate o assunto há um bom tempo. Em 2002, quando houve a crise causada pela descoberta da quebra do sigilo do painel do Senado - arquitetada pelos senadores Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e José Roberto Arruda (PFL-DF), o então senador Roberto Freire (PPS-PE), hoje deputado, fez proposta nesse sentido e não obteve sucesso. Parlamentar experiente e relator de uma das maiores crises políticas do Congresso antes do estouro do mensalão - a CPI do anões do Orçamento - o deputado Roberto Magalhães (PFL-PE) vê com descrença o cenário atual. Para ele, o processo começa errado, na disputa política que se instala nas CPIs, como a dos Correios, dos Bingos e a extinta do Mensalão - que sequer teve relatório final. "O partidarismo e a divisão entre governo e oposição comprometem tudo: a discussão, a investigação, a conclusão e o julgamento. Quando desemboca no plenário, esvaziam o quorum e fazem acertos políticos, acaba dando no que deu", lamenta o deputado. Para Magalhães, todos estão, irremediavelmente, na mira dos eleitores. "Aqueles que estão dançando no plenário ou nas boates, bebendo uísque importado no plenário, vão chorar lágrimas amargas no pleito de outubro", garantiu.