Título: STF rejeita casuísmo e mantém verticalização
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/03/2006, Opinião, p. A12

Ao contrário do que ocorreu em relação a outras decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso Nacional acatou sem maiores protestos a decisão da corte de manter a verticalização - regra pela qual partidos adversários nas eleições presidenciais não podem se coligar nas eleições estaduais. Acatou porque, desta vez, o Supremo acertou. O que estava em jogo não era o mérito da verticalização, era o princípio da anualidade, segundo o qual as regras que mudam o processo eleitoral só passam a valer no ano posterior ao que foram promulgadas. Num certo sentido, o STF equiparou o eleitor ao contribuinte protegido da cobrança de tributos no exercício em que foram instituídos. A verticalização das eleições é, sem dúvida, uma violência. Autoritária ao querer impor um tratamento homogêneo a realidades heterogêneas, do Pantanal Matogrossense ao árido Sertão Nordestino. É um fim a ser perseguido, com o aprimoramento de partidos efetivamente programáticos e a indispensável adoção da fidelidade partidária. Não é um fim a ser imposto de cima para baixo por uma dezena de notáveis. Do contrário, o cidadão fica sujeito ao festival de hipocrisia das alianças feitas por baixo dos panos, como se verificou nas eleições de 2002. Além disso é no mínimo estranho um sistema que inibe os partidos políticos de terem como meta a conquista do poder, o objetivo intrínseco das agremiações partidárias. E não é outra a realidade das próximas eleições, quando siglas do porte do PMDB - um partido de raízes fortemente regionais - ou ascendentes, como o PSB e o PDT, podem ficar sem candidatos à Presidência da República de modo a se verem livres para as associações estaduais mais convenientes, o que não é possível com a camisa--de-força imposta pela verticalização. Mas nada disso estava em discussão no julgamento do Supremo: o Congresso votou o fim da verticalização das eleições e a emenda passa a valer para a eleição presidencial de 2010. O que o STF discutiu foi um princípio, o da anualidade, que visa preservar a segurança do processo eleitoral, blindando-o das conveniências do momento. O Congresso argumentava que, por se tratar de uma emenda à Constituição, não se aplicava o princípio da anualidade exigido às leis ordinárias que alteram as regras do jogo eleitoral. Por nove votos a dois o Supremo entendeu exatamente o contrário. O voto da ministra Ellen Gracie fala por si só: "Se as emendas constitucionais, conforme previsto na Constituição, são produtos gerados de um processo legislativo, também elas podem, com muito mais gravidade, servir como instrumento de abusos e casuísmos capazes de desestabilizar a normalidade ou a própria legitimidade do processo eleitoral". Como a ministra do Supremo, é forçoso concluir que em termos de impacto nas próximas eleições tanto faz que a alteração seja feita por emenda, lei complementar ou lei ordinária. Cabe registrar o voto dissonante do ministro Sepúlveda Pertence, segundo o qual, se é vontade da classe política, de que outra forma o Congresso poderia manifestar essa vontade a não ser por emenda constitucional? "Que outro remédio tem o Congresso?", perguntou Pertence. O ministro talvez não tenha atentado para o fato de que a emenda tramita no Congresso desde o período anterior às eleições de 2002. Não foi a voto antes, no tempo regulamentar (até outubro do ano passado), porque os defensores da emenda temiam não conseguir o apoio dos três quintos do Congresso necessários à aprovação, segurança só obtida depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu dar um empurrão. O fim da verticalização ajudava os arranjos de sua recandidatura. Ou seja, havia um componente casuístico na votação fora de época da emenda da verticalização. Como bem ressaltou o presidente do STF, ministro Nelson Jobim, o Congresso teve tempo de sobra para determinar o fim da verticalização sem tentar ferir o princípio da anualidade. Com a decisão da semana passada, o Supremo voltou a dar racionalidade ao processo eleitoral. Racionalidade que, por sinal, o Tribunal Superior Eleitoral, sob o comando do mesmo Nelson Jobim, havia interrompido ao estabelecer autocraticamente a verticalização para as eleições presidenciais de 2002, a apenas oito meses do pleito.