Título: O crescimento e a condução da política educacional
Autor: Eduardo de Carvalho Andrade
Fonte: Valor Econômico, 27/03/2006, Opinião, p. A12

Qualidade do ensino deveria ser central nos debates eleitorais deste ano

Durante a campanha para presidente dos Estados Unidos em 1992, o assessor político James Carville colocou a seguinte frase em todos os comitês de campanha dos democratas: "It's the economy, stupid!". A idéia era relembrar constantemente ao então candidato Bill Clinton que o foco do debate presidencial deveria ser questões econômicas. Como sabemos, esta estratégia foi vitoriosa. Neste ano, para o bem da sociedade brasileira, os candidatos à Presidência deveriam colocar a faixa: "É a qualidade da educação, estúpido!". Os formadores de opinião no Brasil desperdiçam um tempo enorme discutindo política monetária e a atuação do Banco Central. Não será de todo surpreendente se nos debates presidenciais esse tópico continuar sendo o foco, principalmente se os candidatos acreditarem que este assunto pode render votos. Mas isso seria um erro lastimável. Os modelos teóricos e a evidência empírica são categóricos em indicar que a política monetária é incapaz de gerar crescimento no longo prazo. Por isto, o seu objetivo deve ser unicamente combater a inflação. Para se discutir seriamente os fatores que podem garantir um crescimento sustentado para a economia brasileira, a questão que deve ter centralidade na próxima disputa eleitoral é a qualidade da educação. E neste quesito, a brasileira deixa muito a desejar. Numa comparação internacional em 2003 com os países da OECD e alguns convidados, a proficiência dos nossos jovens em matemática, por exemplo, ocupa a última colocação, empatado com Tunísia e Indonésia, dentre 41 países. Perde para o México, Uruguai e Coréia, sendo que o nível educacional desse último, atualmente no topo do ranking, não era muito diferente do brasileiro na década de 60. A visão dominante entre os responsáveis pela condução das políticas educacionais no país ainda é a tradicional. Acreditam que para melhorar a qualidade da educação basta aumentar os gastos com os insumos utilizados no processo. Dentro das políticas seguidas nesta linha, algumas se destacam. Aumentar os salários dos professores ou exigir que eles participem de programas de educação continuada ou cursos de capacitação. Distribuir computadores para as escolas públicas. Exigir grau de escolaridade cada vez maior dos novos professores contratados. Reduzir a relação alunos por professor. Governantes de todas as vertentes ou usam estatísticas de maiores gastos em educação ou apresentam a implantação de programas educacionais mirabolantes nos seus currículos de realizações. Eles pecam, no entanto, por não apontar quanto e se essas políticas de fato acarretam maior aprendizado dos alunos. É fácil entender o motivo. Simplesmente não existe evidência de que elas tenham este impacto. Lamentavelmente, existe um buraco negro no conhecimento atual sobre quais programas isoladamente produzem o efeito desejado sobre o desempenho escolar.

Não existe evidência de que maiores gastos na área de educação acarretem melhor aprendizado dos alunos

A experiência internacional ilustra bem esse ponto. Numa comparação entre países, aqueles com um padrão de gasto por estudante menor não necessariamente obtêm um pior desempenho acadêmico de seus alunos. Nos EUA, de 1960 até 2000, o gasto público por aluno com ensino fundamental e médio mais do que triplicou, passando de US$ 2.235 para US$ 7.591 (dólares de 2000). Apesar disto, a performance média dos estudantes mensurado por testes de proficiência é pior em ciências e ligeiramente melhor em matemática e leitura. Se o Brasil não se preocupar com a eficiência dos seus gastos, corre o risco de incorrer no mesmo erro americano. Do acima exposto, fica evidente que se o país continuar na atual trilha certamente não atingirá padrões elevados na qualidade da educação no ritmo desejado. Restam duas alternativas que o governo federal poderia considerar para acelerar o processo. A primeira é adotar um sistema de vouchers, como implantado no Chile. Neste, a família de baixa renda não fica obrigada a colocar o seu filho numa escola pública. O Estado fornece um voucher e o estudante pode utilizá-lo para pagar a mensalidade numa escola privada ou pública. A competição entre as escolas para atrair os alunos pode ser saudável e levar a uma melhoria no ensino. Não existe nenhuma garantia de que escolas de baixa qualidade sobrevivam e, com elas, os empregos de professores e diretores de escolas. A segunda alternativa foi implantada na década de 90 nos Estados Unidos pelo governo federal, o chamado "No Child Left Behind Act". Essa legislação obriga cada Estado da federação a implantar um sistema educacional baseado nos seguintes pontos: estabelecer padrões mínimos de proficiência (por exemplo, em leitura e matemática) para cada período escolar; dar autonomia para as escolas adotarem as políticas entendidas como as mais eficazes para alcançar esses patamares; utilizar testes de proficiência, como o Enem ou o Saeb no Brasil, para checar se os alunos atingem os padrões mínimos definidos. Com a autonomia concedida para a unidade escolar, cobrar dos administradores e professores das escolas a responsabilidade pelo desempenho dos seus alunos. Por um lado, instituir penalidades para as escolas que recorrentemente apresentarem resultados negativos, incluindo até o seu fechamento. Por outro, estabelecer prêmios financeiros a serem distribuídos para os professores e diretores das escolas de melhor desempenho. Essas alternativas, as experiências chilena e americana, têm duas características em comum. Primeiro, é criado um sistema de incentivos focado no aprimoramento da qualidade do ensino. Segundo, transfere para a unidade escolar a responsabilidade de encontrar soluções para os seus problemas específicos, dado que infelizmente não existe uma receita de bolo a ser seguida. Será que algum "estúpido" vai se arriscar a ir contra o corporativismo no setor educacional e a manutenção do status quo, necessário se qualquer das alternativas propostas for seguida, para garantir o crescimento sustentado da economia brasileira?