Título: Projeto que diminuiria controvérsia está parado
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 27/03/2006, Especial, p. A14
Um projeto de lei que pode desanuviar bastante a paisagem em que procuradores e empreendedores se enfrentam atualmente arrasta-se há três anos no Congresso, e ninguém parece muito empenhado em fazê-lo andar mais rápido. A proposta provoca divergências no governo e tem enfrentado forte oposição de associações de produtores rurais. O projeto foi apresentado pelo deputado Sarney Filho (PV-MA), que foi ministro do Meio Ambiente de 1999 a 2002. Ele regulamenta o artigo 23 da Constituição, que define a proteção do meio ambiente como de "competência comum" da União, dos Estados e dos municípios, mas não diz o que cada um precisa fazer. A proposta atolou há quase dois anos na Comissão de Agricultura, onde é grande a presença de defensores dos produtores rurais. O projeto original inclui entre as atribuições dos órgãos ambientais federais o licenciamento de atividades como o cultivo de transgênicos e isso contraria interesses do agronegócio. No ano passado, após meses de debates, o Ministério do Meio Ambiente preparou uma versão alternativa do projeto e encaminhou-a para o Congresso. O artigo sobre transgênicos sumiu, mas recentemente o Ministério da Agricultura entrou na discussão e manifestou novas discordâncias em relação à proposta. A idéia do Ministério do Meio Ambiente é restringir a atuação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a projetos com "impacto ambiental direto de âmbito nacional", em pelo menos dois Estados. Também seriam responsabilidade do Ibama obras na plataforma continental, em terras indígenas e unidades de conservação da União. A proposta estabelece que o Ibama deve consultar sempre a opinião dos órgãos estaduais e dos municípios afetados por um projeto antes de decidir qualquer coisa. Os órgãos ambientais estaduais seriam encarregados de licenciar obras cujo impacto se estenda por duas ou mais cidades e os municípios cuidariam dos projetos com impacto local. Parece tudo muito sensato, mas a proposta está longe de agradar a todos os envolvidos na discussão. "Vamos ter problemas", diz a procuradora da República Sandra Cureau, que coordena a atuação do Ministério Público Federal na área ambiental. "O Ibama quer passar tudo para os Estados e os municípios e só entrar em campo em último caso." Isso preocupa por uma razão simples. Se o Ibama e os órgãos ambientais estaduais têm pouca gente e dificuldades para lidar com a quantidade de projetos que dependem de licenças ambientais, o problema é muito maior nas cidades. Apenas 326 dos mais de 5,5 mil municípios brasileiros têm uma secretaria para cuidar do meio ambiente. Outro problema com a proposta do Ministério do Meio Ambiente é que ela pode não ser suficiente para eliminar as controvérsias sobre o tema. Muito do que está escrito ali já está numa resolução baixada em 1997 pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que definiu as atribuições dos vários órgãos ambientais na falta de uma lei que regulamentasse o assunto. Mas essa resolução é freqüentemente ignorada por procuradores e juízes que defendem a transferência para a esfera federal do licenciamento de qualquer projeto que afete, mesmo remotamente, terras indígenas e áreas que o artigo 225 da Constituição define como "patrimônio nacional", a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal e a zona costeira. (RB)