Título: Após euforia, varejistas revêem mercado de telefones móveis
Autor: Talita Moreira
Fonte: Valor Econômico, 27/03/2006, Empresas &, p. B3

Celulares Lojas Renner, de vestuário, e Leroy Merlin, de construção, deixaram de vender o produto

De supermercados a lojas de roupas, varejistas de diversas espécies incluíram os celulares em seu leque de ofertas nos últimos anos. Todos queriam aproveitar a onda de um produto cujas vendas não paravam de crescer. Agora, as coisas começam a mudar. Com o mercado de telefonia móvel dando sinais de amadurecimento, algumas empresas que não são do ramo de eletroeletrônicos têm desistido do negócio. A gaúcha Renner, de vestuário, e a Leroy Merlin, de materiais de construção, são exemplos de varejistas que aderiram ao negócio, mas pararam de vender celulares. Margens em declínio, discrepância com a atividade principal e dificuldades no gerenciamento dos estoques são alguns dos motivos apontados por empresas do setor para abandonar ou pelo menos repensar a atividade. A Lojas Renner encerrou no mês passado as vendas de telefones móveis que eram feitas em suas unidades no Sul e no Mato Grosso do Sul. Por meio de uma nota, a varejista diz que abriu mão desse item para concentrar esforços em seu foco: roupas, calçados e cosméticos. Reservadamente, um executivo da companhia diz que as margens de lucro não estavam sendo compensadoras. A Blockbuster fez duas tentativas - em 1998 e 2005 - e não levou a experiência adiante, embora esteja oferecendo alguns eletroeletrônicos em suas videolocadoras. A incursão da Leroy Merlin na telefonia móvel terminou em pleno dezembro, mês que, por conta do Natal, costuma ser o mais forte em vendas para as operadoras. A empresa diz que nunca conseguiu equacionar a logística e a exposição dos produtos nas lojas - em meio a banheiras, pisos e lustres, a compra de um telefone móvel era um ato de impulso. A Leroy Merlin não revela quantos celulares chegou a vender. Por meio da assessoria de imprensa, diz que nunca chegou a ser uma atividade muito lucrativa e que será totalmente encerrada quando os últimos aparelhos em estoque forem desovados. "O maior problema era a falta de agilidade. Às vezes as operadoras lançavam uma promoção e não conseguíamos ter os aparelhos no prazo anunciado por elas. As pessoas procuravam e a loja não estava pronta", diz o gerente de uma das lojas da rede. O varejo não-especializado em telefonia e informática representa hoje mais de 80% das vendas de celulares, segundo a consultoria AC Nielsen. Boa parte desse volume está concentrada nas redes de eletroeletrônicos - como a Casas Bahia que, sozinha, comercializou 4,1 milhões de aparelhos no ano passado, quando foram habilitados 20,6 milhões de linhas no país. Mesmo sem tradição no segmento de eletrônicos, redes como a C&A e a Pernambucanas também tornaram-se canais importantes de distribuição. Em comum, têm a facilidade na concessão de crédito e estão presentes em grandes centros de compras. Nem sempre foi assim. Até 2003, as vendas estavam mais concentradas nas lojas especializadas - próprias ou autorizadas das operadoras. Os poucos varejistas que ofereciam o produto tinham contrato de exclusividade com alguma tele. O aumento da competição no setor, com a chegada das operadoras que atuam no padrão tecnológico GSM, alterou radicalmente esse quadro. Grandes varejistas foram atraídos pelas generosas comissões pagas pelas operadoras às lojas - em torno de 30% do valor do produto. As teles, por sua vez, lançaram-se numa disputa frenética para aumentar a base de clientes. Para isso, disseminaram os pré-pagos e baratearam o produto. O celular, que estava nas mãos de 20% dos brasileiros no fim de 2002, agora chega a quase 50% da população. "O interesse do varejo veio da competição entre as operadoras no mercado de pré-pago, mas isso agora está mudando porque o foco deixou de ser o aumento da base de clientes e passou a ser a rentabilização do negócio", afirma Luís Minoru, diretor-geral da empresa de pesquisas em tecnologia Yankee Group. Como escala e ampla oferta de crédito são as almas desse negócio, redes que não são tradicionais vendedoras de eletroeletrônicos estão sentindo os efeitos da nova estratégia. "Quem não vende uma grande quantidade de aparelhos não consegue boas margens", diz Eduardo Tude, diretor do site Teleco, especializado em telecomunicações. Segundo ele, as operadoras estão mais seletivas e têm reservado as melhores comissões para os grandes distribuidores. Além da mudança no foco da concorrência, alguns episódios de fraudes levaram as empresas de telefonia a ser mais cautelosas no relacionamento com o comércio e a melhorar o controle de estoques. Nos últimos anos, as operadoras detectaram casos em que enviavam às lojas aparelhos habilitados para planos pós-pagos. Em vez disso, alguns varejistas trocavam o chip dos terminais GSM e vendiam os celulares como pré-pagos, normalmente mais caros, e embolsavam a diferença no preço. Segundo Lucas Carreras, gerente de marketing da AC Nielsen, os terminais pré-pagos são, em média, 47% mais caros do que os pós-pagos. Isso porque as operadoras aplicam subsídios maiores nos modelos de conta, o que reduz seus preços. Com a desaceleração no crescimento da base de celulares e o foco maior nas trocas de aparelhos e em ações cujo objetivo é impedir a fuga dos clientes para a concorrência, operadoras e analistas do setor dizem que as lojas especializadas voltarão a ganhar importância. Mesmo assim, o negócio ainda atrai interessados. Apesar da experiência malsucedida da Leroy Merlin, a C&C, também especializada em materiais de construção, costura uma parceria com a TIM. "Ninguém vai até lá para comprar um celular. Mas às vezes o cliente já está na loja, aproveita e leva, assim como pode comprar uma revista", afirma o diretor de marketing da C&C, Mauro Florio.