Título: Fed empolga e pode desviar foco da crise
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 27/03/2006, Finanças, p. C2

O Federal Reserve (Fed) fará amanhã a sua reunião de política monetária mais ansiosamente aguardada desde a que, em junho de 2004, descongelou o juro básico do 1% em que permaneceu por um ano. O encontro é cercado de tensa expectativa não por causa da decisão em si, já que dez entre dez analistas apostam em alta de 0,25 ponto, com o Fed Fund avançando a 4,75%. Será a 15ª alta em seqüência, todas de 0,25 ponto, desde que a taxa iniciou a escalada. Ao contrário dos lacônicos e imprecisos comunicados divulgados depois das reuniões do Copom do Banco Central, as notas que relatam as decisões do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, em inglês) são bem mais completas a ponto de já sinalizar com clareza os rumos da política de juros. E é a nota o evento esperado como capaz de redefinir o fluxo de capitais pelo mundo. Às vésperas da reunião, o consenso provisório firmado por analistas de grandes fundos foi o de que o Fed deve indicar mais uma alta de 0,25 ponto, a ser feita na reunião de 10 de maio. E sinalizar a interrupção do aperto, para posterior avaliação dos resultados, quando o Fed Fund chegar a 5%. Essa pista espantaria as previsões mais catastrofistas segundo as quais o juro americano avançaria, sem descanso, até 5,5%. Estas análises mais pessimistas podem ser operacionalmente tendenciosas, já que o próprio presidente do Fed, Ben Bernanke, em palestra proferida na semana passada, fez questão de sugerir que, como a economia mundial e os mercados mudaram muito nos últimos anos, o juro neutro, de equilíbrio, pode hoje situar-se em nível mais baixo do que os 6% historicamente admitidos. Bernanke parece ainda não saber em qual degrau abaixo de 6% ele poderá se situar proporcionando, sem pressões inflacionárias, as condições para o pleno emprego.

Mercados externos exageram na volatilidade

Há uma grande dose de exagero na frenética volatilidade recente dos mercados globalizados. Como nota o economista-chefe da Global Invest Asset, Pedro Paulo da Silveira, o Fed está tão-somente tentando, após o ciclo expancionista experimentado entre 2.000 e 2.004 - que fez a delícia dos especuladores -, voltar à normalidade, colocando o juro no seu nível neutro. "Não há pressões indicando a necessidade de uma política contracionista", diz Silveira, que acredita em uma mensagem tranquilizadora do Fed. O ponto da fala recente em que os conservadores se agarram para prever o caos deriva de uma fascinante discussão acadêmica muito ao gosto do circuito MIT/Princeton, mas de escassas conseqüências práticas, a dos fatores que interferem na formação dos juros de longo prazo, se será possível ou desejável que a política monetária de curto prazo conduza as expectativas de longo prazo. Quando Bernanke coloca em dúvida a eficácia da política monetária não está se referindo à inflação de curto prazo, nem propondo um tratamento de choque. Como o Brasil se enquadra nessa conjuntura? Em qualquer das hipóteses, não se estará no melhor dos mundos. É claro que uma maciça fuga de capitais externos hoje aplicados em países emergentes, decorrente de uma interpretação negativa da decisão do Fed, empurrará o dólar para patamar que poderá exigir do Copom uma pausa no desaperto monetário. Nos momentos de pânico nos mercados, não interessam nem "fundamentos", nem juros reais recordes. Mas o quadro oposto não pode ser comemorado. Se os grandes fundos fecharem definitivamente o consenso de que de 5% o juro americano não passará, será difícil impedir que o dólar caia abaixo de R$ 2,00. Os bancos brasileiros, que hoje carregam posições compradas em US$ 2,5 bilhões, tenderão a desová-las rapidamente, parando de oferecer resistência à queda. Se o fluxo externo for vigoroso, perderão o medo de medidas cambiais do BC e de alterações de política econômica no caso de afastamento do ministro da Fazenda Antonio Palocci. Na sexta-feira, depois que os juros dos treasuries de 10 anos recuaram de 4,73% para 4,67%, o dólar só caiu. Fechou cotado a R$ 2,1540, em baixa de 0,37%. Dependendo da decisão do Fed, o mercado colocará a crise envolvendo Palocci em segundo plano.