Título: Hermanos acionistas
Autor: Mara Luquet
Fonte: Valor Econômico, 27/03/2006, EU &, p. D1

Cresce na Argentina o interesse por fundos que aplicam em papéis da Bovespa e replicam carteiras brasileiras

Os argentinos podem até torcer o nariz para a seleção brasileira de futebol. Mas, quando o assunto é investimento, eles estão fechados com o time de gestores brasileiros. Os fundos que replicam as carteiras brasileiras aumentam a cada dia porque os argentinos estão comprando papéis do Brasil como nunca, principalmente ações, para garantir sua aposentadoria. No início de março, o total investido em fundos especializados em Brasil atingiu 3,8 bilhões de pesos ou US$ 1,233 bilhão. Só neste ano, esse volume cresceu mais de 150%. A esmagadora maioria de cotistas desses fundos são investidores institucionais (a maior parte fundos de pensão). Sergio Garibian, executivo da Standard & Poor's, a maior empresa de classificação de risco do mundo, não tinha visto nada parecido até então e acredita que o movimento é reflexo de dois importantes ingredientes: taxas de juro reais de curto prazo negativas no país e poucas alternativas na Bolsa de Valores de Buenos Aires. A taxa de curto prazo paga ao investidor, de 8,5% ao ano, está 2,68% abaixo da inflação, de 11,48%, e o volume médio diário na Bolsa Argentina não ultrapassa os US$ 35 milhões este ano. Para se ter uma idéia do que ocorre naquele mercado, veja o que acontece com o Itaú. Seu maior fundo de ações ativo, com R$ 1,080 bilhão em patrimônio, não fica no Brasil, mas sim na Argentina. O Goal Acciones Brasilenãs apresenta uma valorização acumulada de 148% no período de abril de 2005 ao último mês de fevereiro e possui a maior fatia da carteira (25%) aplicada em ações de bancos brasileiros listados na Bovespa. O patrimônio do fundo só perde para o fundo Papéis Índice Brasil Bovespa (PIBB) do Itaú, um fundo passivo que segue o IBrX-50 e que tem um patrimônio de R$ 2,7 bilhões. O terceiro maior fundo de ações do banco - o Itaú Ações - tem um patrimônio de R$ 600 milhões. Neste mês, o banco está abrindo o seu segundo fundo de ações brasileiras na Argentina. A carteira vai replicar o Índice Bovespa - referencial mais conhecido do mercado brasileiro. "É um fundo lançado por nossa empresa de gestão de recursos na Argentina e legalmente é um fundo argentino", diz Walter Mendes, responsável pela área de renda variável do Itaú. Segundo Mendes, o que está ocorrendo na Argentina é um exemplo de como a queda nas taxas de juro pode impulsionar o crescimento do mercado de ações. Para ele, há um intervalo entre a efetiva queda nas taxas e o início da compra de ações. "O aumento não é imediato, há um 'gap', mas depois cresce muito rapidamente", diz. Neste mês também, o Itaú alcançou a segunda posição no ranking argentino de administradores de fundos, com um patrimônio total sob gestão de 2,148 bilhões de pesos. Assumiu a posição que antes era do Santander e que atualmente administra um total de 2,068 bilhões de pesos. O Banco Itaú adquiriu a principal família de fundos de investimento do ABN Amro na Argentina em 2004, com recursos equivalentes a R$ 380 milhões. A transação na época tornou o Itaú o quarto maior gestor de recursos de terceiros naquele mercado. O HSBC lançou em fevereiro na Argentina seu melhor fundo de ações brasileiro, o fundo Valor. Ou seja, trata-se de um fundo argentino, registrado naquele país, mas com uma carteira de ações que é espelho da brasileira. A filosofia do fundo Valor é aplicar em ações de companhias da Bovespa que tenham uma forte expectativa de valorização. Segundo Leonardo Russo Calixto, principal executivo da área de produtos do HSBC Investments, o fundo captou em terras argentinas em menos de um mês US$ 20 milhões, ou 20% do total do patrimônio total do fundo Valor que existe há cerca de quatro anos no Brasil. "Nós preferimos nos diferenciar e lançar um fundo que não segue nenhum índice específico", diz Calixto. A Schroder é a maior gestora de fundos no mercado argentino e tem duas carteiras que aplicam em ações brasileiras, o Schroder Brasil e o Schroder Latin America. A carteira deste último é formada atualmente por 24 ações brasileiras, 10 mexicanas, 8 chilenas e 3 argentinas. O Schroder Brasil replica a carteira de ações do Schroder Performance, um fundo de ações que existe desde 2001 no Brasil e que exibe um patrimônio de cerca de US$ 50 milhões. Mas note que o fundo lançado na Argentina em outubro do ano passado já exibe um patrimônio de US$ 236 milhões, ou seja, 372% maior do que o fundo brasileiro, que é bem mais antigo. Segundo Adriano Koelle, diretor da Schroder no Brasil, a empresa serve como uma consultora para a Schroder Argentina na gestão da carteira com ativos brasileiros. O Schroder Brasil é um fundo argentino e foi lançado porque a empresa naquele país detectou uma forte demanda por parte de fundos de pensão. "Na Argentina, os fundos de pensão podem aplicar em ações fora do país e eles enxergam o Brasil como uma excelente alternativa", diz Koelle. Segundo ele, além do potencial de alta das ações brasileiras, a proximidade do mercado facilita a vida dos investidores argentinos, pois muitos costumam vir ao país visitar as empresas nas quais investem. O mercado de fundos no Brasil exibe atualmente um patrimônio de quase R$ 800 bilhões, dos quais os fundos de ações representam uma pequena fatia. São 654 carteiras de ações (incluindo PIBB e fundos de privatização Vale do Rio Doce e Petrobras), o que corresponde a 13,5% do total de 4.829 fundos cadastrados hoje na Associação Nacional dos Bancos de Investimentos (Anbid). Em patrimônio, essas carteiras somam R$ 70 bilhões, ou cerca de 9% do total aplicado no setor de fundos.