Título: Modelo comporta mudanças
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 26/11/2004, Brasil, p. A-2

Até o final do ano o governo deve anunciar uma carteira de investimentos, no âmbito do projeto piloto que está sendo negociado com o Fundo Monetário Internacional (FMI), de flexibilização da contabilidade de alguns investimentos em infra-estrutura do cálculo do déficit público. Essa carteira, que envolve sobretudo obras nas áreas de transportes no país, e irrigação no Nordeste, deve somar cerca de R$ 1 bilhão e os estudos estão em fase final de conclusão pelo Ministério da Fazenda e Casa Civil. Ela é parte fundamental da prioridade do governo, agora, que é criar um bom ambiente para que os investidores decidam colocar seus recursos no país, como salientou um alto funcionário da área econômica. Esse é um trabalho em duas etapas, segundo ele: primeiro, era preciso voltar a crescer; diante da certeza de que a economia cresce, é preciso dar ao investidor a certeza de que os fundamentos da política econômica não vão mudar. A essa segunda fase - manutenção dos fundamentos - agregam-se outras, como o anúncio de investimentos públicos pontuais que removam eventuais gargalos de infra-estrutura capazes de frear o crescimento; e, aprovada a lei das parcerias público-privadas (PPP), começar a construir os projetos que serão objeto das parcerias. Para a equipe econômica do governo, trata-se, assim, de um período crucial: os próximos dois a três meses devem ser dedicados à consolidação das garantias que, no entendimento dos economistas oficiais, vão influenciar na decisão dos investidores privados de colocar ou não as mãos no bolso. Seria, portanto, um péssimo momento para se fazer marola. A pressão pela mudança da política econômica, que agora encontra defensores também na ala mais à direita do PT, vem em momento inoportuno, na visão da área econômica, e não condiz com os resultados que estão sendo colhidos pelo governo nos últimos meses . De janeiro para cá, todos os indicadores importantes da economia estão apresentando uma boa performance. As vendas do comércio aumentaram 9,3% até setembro, se comparadas ao mesmo período do ano anterior e a produção de insumos da construção civil cresceu 6,3% na mesma base de comparação. A produção industrial aumentou 9% em todas as categorias à exceção da indústria farmacêutica. O emprego formal teve expansão de 4,6% até setembro, sobre o mesmo período de 2003. O rendimento médio real da população ocupada cresceu e a massa salarial real aumentou 8,5%, e assim por diante. Esses indicadores podem não ser brilhantes, mas não justificariam uma guinada na política econômica. As pressões políticas pela mudança decorrem da ansiedade dos ministros e parlamentares do PT em começar a apresentar algo que tenha a marca do governo do PT, pois é isso que, entendem eles, será cobrado na campanha pela reeleição de Lula em 2006.

Negociação com FMI pode liberar R$ 1 bilhão

A política econômica que apresenta resultados positivos traz o selo do governo de FHC , alegam os que estão contra ela, e, portanto, deveria passar por um processo de transição, uma "transição forçada", como defendeu o ministro da Educação, Tarso Genro, na reunião do diretório nacional do PT, no último fim de semana. O ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu, também advogou, tanto para o diretório quanto na reunião dos ministros do PT, na segunda feira, com Lula, que um dos pilares dessa política - o superávit primário, agora de 4,5% do PIB - deve ser reduzido para que o Estado possa aumentar os investimentos. E Lula teve que, nos últimos dias, voltar a defender o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, e a política econômica em curso. Poucos, no governo, entendem sobre o que estão falando os mudancistas do PT. Ontem, o ministro da secretaria-geral da Presidência da República, Luiz Dulci, tentou traduzir as preocupações que ouviu nas duas reuniões do partido. " Nós achamos que é possível, exatamente pelos êxitos da política e sem alterar os seus fundamentos, dar esse salto de qualidade. Avançar muito nas mudanças sociais que a sociedade espera. Afinal de contas, foi para isso que o presidente Lula foi eleito e foi para isso que nós adotamos uma política econômica muito mais ousada e muito mais rigorosa do que a do governo anterior", disse em entrevista à TV. Isso significará, em medidas concretas, dar aumento real para o salário mínimo em 2005, reajustar a tabela do Imposto de Renda e anunciar um programa destinado à juventude das periferias das grandes cidades, entre outras medidas sociais. Mas isto não representa ruptura, nem a "transição forçada" do ministro Genro. São iniciativas de governo que cabem perfeitamente no modelo em vigor. O lapso de Lula Não há qualquer indicador fidedigno que aponte que a taxa de câmbio está fora de esquadro e que o real está supervalorizado. Não há qualquer conta que demonstre que o câmbio de equilíbrio deverá se situar numa banda entre R$ 2,90 a R$ 3,10, como disse o presidente Lula em entrevista à "Bloomberg". A não ser a pressão de um cochicho nos ouvidos do presidente, o que ocorre sempre que a moeda inicia um processo de valorização. O momento é bom, os fluxos de moeda estrangeira estão fortes, e o governo tem se aproveitado disso para melhorar o perfil da dívida cambial e recompor reservas internacionais. Impor uma desvalorização da moeda doméstica em relação ao dólar num período em que este está em franca desvalorização frente ao euro é ceder a "lobbies" que, diga-se de passagem, são legítimos, mas indevidos.