Título: Agência atômica prevê acordo em duas semanas
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 26/11/2004, Brasil, p. A-2

A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) espera concluir em duas semanas um acordo com o governo brasileiro sobre os procedimentos que serão adotados em futuras inspeções na planta de enriquecimento de urânio que está em construção em Resende (RJ). O anúncio foi feito pelo diretor-geral da agência, Mohamed El-Baradei. "Conseguimos alcançar um acordo de princípios com o governo brasileiro", afirmou El-Baradei ontem, na sede da agência em Viena, antes de abrir uma reunião do Conselho de Governadores da AIEA. "Espero que nas próximas duas semanas ele seja finalizado de maneira formal." Numa declaração curta em que reproduziu a mesma linguagem que as autoridades brasileiras que lidam com o assunto têm empregado, El-Baradei afirmou que o acordo permite que a agência faça seu trabalho nas instalações de Resende e respeita a "necessidade do Brasil de proteger aspectos comerciais sensíveis". O ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, responsável pelo programa nuclear, acredita que a manifestação de El-Baradei encerra a controvérsia em torno da planta. "O Brasil continua com seu programa nuclear, pacífico, com muita responsabilidade e compromisso com o desenvolvimento nacional", declarou em Brasília. O governo brasileiro anunciou na quarta-feira que iniciará a operação da planta de enriquecimento no próximo mês. As negociações entre o Brasil e a agência se arrastaram por mais de um ano, por causa da insistência do país em restringir o acesso dos inspetores estrangeiros às centrífugas que processam o urânio. Nas últimas semanas, a AIEA concluiu duas etapas do processo de fiscalização da planta, examinando o desenho das instalações de Resende e sua conformidade com os propósitos pacíficos declarados pelo governo brasileiro. Falta definir a forma como serão feitas as inspeções dentro da planta de agora em diante. A discussão envolve aspectos técnicos, como os aparelhos de vigilância que serão usados para monitorar a produção das centrífugas e a freqüência das inspeções em Resende. É essa etapa que El-Baradei espera concluir nas próximas duas semanas. É uma discussão complicada porque o governo brasileiro não deixa os inspetores ver as centrífugas. Elas são encobertas por painéis metálicos e eles só podem ver válvulas e tubulações que ligam as máquinas. Isso torna difícil o trabalho da agência, que precisa certeza de que não há produção clandestina de urânio enriquecido ou desvios de material nuclear. O acordo que o Brasil e a AIEA estão prestes a concluir só vale para a primeira fase da planta. Ela foi planejada para ser construída em quatro módulos e só parte do primeiro módulo está pronta para funcionar. Existem 400 centrífugas instaladas em Resende. Elas são suficientes para atender apenas 2% das necessidades de combustível das usinas nucleares de Angra dos Reis (RJ) A construção da planta deve terminar em 2010, quando haverá milhares de centrífugas em Resende e a planta terá capacidade para processar 57% do urânio de que as usinas de Angra precisam para produzir energia. Cada módulo da planta é formado por várias cascatas, conjuntos de centrífugas que trabalham em série. Cada vez que uma cascata for concluída, o governo terá que voltar a conversar com a AIEA. Quanto maior o número de centrífugas operando em Resende, mais difícil será para a AIEA fiscalizar a planta sem ver as máquinas, de acordo com funcionários que acompanham a negociação. Pelo cronograma atual, a segunda cascata do primeiro módulo estará pronta em 2006. O governo esconde as centrífugas alegando que precisa proteger inovações tecnológicas das máquinas. Desenvolvidas a partir da década de 80 pela Marinha em parceria com cientistas e indústrias, as centrífugas são semelhantes às existentes em outros países. A Marinha diz que as inovações introduzidas tornaram o modelo nacional mais eficiente.