Título: Crise na Ucrânia expõe divisão entre Rússia e UE
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/11/2004, Internacional, p. A-9

A atual crise da Ucrânia ameaça deteriorar ainda mais as relações entre a União Européia (UE) e a Rússia. Ontem, na cúpula da UE em Haia, da qual participou o presidente russo, Vladimir Putin, os dois lados procuraram minimizar as divergências sobre a Ucrânia. Analistas apontam, que, enquanto as relações econômicas entre Rússia e Europa estão cada vez melhores, a questão ucraniana culmina uma disputa por áreas de influência, além de divergências quanto à democracia russa, Tchetchênia e outras questões. O premiê holandês, Jan Peter Balkenende, que ocupa a Presidência rotativa da UE, admitiu divergências com a Rússia sobre a eleição e sobre como resolver a crise ucraniana. O país está em tumulto desde segunda, quando ficou claro que o vencedor da eleição presidencial de domingo seria o premiê Viktor Yanukovich. Observadores estrangeiros denunciaram fraude generalizada. EUA e UE rejeitaram o resultado, mas Putin parabenizou Yanukovich, apoiado por Moscou, antes mesmo do resultado oficial. Ontem, a Suprema Corte ucraniana acatou um recurso da oposição e proibiu a publicação do resultado oficial das eleições até que a questão seja analisada, na próxima semana. Em Haia, Putin disse que a crise ucraniana deve ser resolvida através da Justiça e não das ruas, numa referência aos quatro dias de protestos na Ucrânia. O presidente russo disse ainda que países estrangeiros não devem incitar o caos na Ucrânia, numa aparente alfinetada contra os EUA e a UE, que rejeitaram o resultado oficial. "A eleição não atendeu aos padrões internacionais, e a União Européia não pode aceitar seus resultados", disse Balkenende. Em mais um episódio de repúdio internacional, mais de 150 diplomatas estrangeiros na Ucrânia quebraram o protocolo e divulgaram ontem uma carta aberta em que apóiam o candidato oposicionista, Viktor Yushchenko. Para elevar a pressão, Yushchenko convocou uma greve geral. Seus partidários bloquearam estradas ontem, mas não se sabe ao certo a extensão da adesão. Mineiros de carvão do leste (região mais ligada à Rússia) rejeitaram a paralisação. Isso ressalta o perigo de divisão da Ucrânia, com o leste apoiando Yanukovich, e o Oeste, Yushchenko. As divergências entre UE e Rússia não se limitam à Ucrânia. Há dois meses, o presidente de Belarus, Alexander Lukashenko, "venceu" um referendo que permite que ele seja reeleito. Moscou congratulou o ditador, enquanto a UE denunciava a fraude e apertava as sanções contra o país. Desde a adesão da Polônia à UE, em maio, o bloco tem fronteira com a Ucrânia e Belarus, duas ex-repúblicas soviéticas. Isso intensificou as relações econômicas. Pouco mais da metade das exportações russas têm a UE como destino, principalmente petróleo e gás. Por outro lado, existe uma disputa pela influência na região e a desconfiança mútua cresce. Os novos membros da UE no Leste Europeu pressionam por um tratamento mais duro em relação a Moscou. Para muitos analistas, a forma como a crise política da Ucrânia for resolvida pode ter efeitos no futuro de toda a Europa do Leste. Ao que tudo indica, Moscou gostaria de evitar que mais um de seus ex-satélites "vá para o Ocidente", entrando na esfera da UE e da Otan.