Título: União Européia acena com cota maior para importação de carnes
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2006, Brasil, p. A2

A União Européia (UE) acena com tratamento diferenciado na Rodada Doha para importações de carnes bovina e de frango, que favoreceriam as vendas do Brasil para seus 25 países-membros. Esse é um dos pontos que o comissário de comércio da UE, Peter Mandelson, deve discutir na reunião de sexta e sábado, no Rio, com o ministro brasileiro Celso Amorim, o representante comercial americano Rob Portman e o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy. A reunião é para desbloquear a Rodada Doha, o que passa por concessões no triângulo UE-EUA-Brasil/Índia, na expressão de Lamy. Para se chegar a um acordo na OMC, os EUA precisam fazer concessões com corte de subsídios domésticos, a UE com corte de tarifas agrícolas, e Brasil e India com redução de alíquotas industriais. Esses países precisam "convergir para os grandes números"', como costuma dizer Mandelson. "Mas o triângulo está parado", constata o embaixador brasileiro junto à OMC, Clodoaldo Hugueney. As carnes pautam as negociações de cotas na Europa. Elas encabeçam a lista dos produtos que Bruxelas designará como "sensíveis" - continuarão tendo altas tarifas no futuro acordo agrícola na OMC. No entanto, Bruxelas pagará por essa proteção a seus pecuaristas através de cotas, por meio das quais permitirá a entrada de determinado volume com alíquota menor. Uma das negociações em andamento é para determinar o tamanho e tratamento dessas cotas. Em discussões bilaterais com o Brasil, a União Européia tem sinalizado que pode dar tratamento especial para os produtos que têm hoje elevado comércio extra-cota, ou seja, que são submetidos a tarifa cheia quando entram no mercado comunitário - justamente as carnes. A UE tem hoje cota global de 30 mil toneladas para frango (com alíquota menor). Mas o Brasil consegue exportar 200 mil toneladas pagando tarifa cheia (fora da cota), refletindo a competitividade do país. No caso de da carne bovina, os brasileiros exportam 150 mil/t dentro de cota e 120 mil/t com alíquota inteira. Indagado sobre uma barganha entre europeus e brasileiros na área de acesso ao mercado, Hugueney respondeu: "Está todo mundo dizendo-se pronto a explorar (concessões), mas não há nada de concreto. Estamos preparando as condições técnicas para que as coisas ocorram, para os ministros decidirem". O embaixador da Argentina, Alberto Dumont, avisou que barganha sobre cotas com os europeus precisa passar pelo G-20, o grupo liderado pelo Brasil. Antonio Beraldo Donizete, da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), embora dizendo não estar pessimista, tem dúvidas sobre a União Européia: "Mesmo se o Brasil aceitar o tamanho do corte exigido em produtos industriais (65%), não vejo como a UE pode dar compensação importante em agricultura". Para analistas, a negociação na OMC deveria resultar em cotas de pelo menos 300 mil/t para frango e 200 mil/t para carne bovina com tarifa menor. Essas cotas seriam para todos os exportadores, mas os europeus acham que o Brasil seria o principal beneficiado. Certos observadores acham que o Brasil poderá ganhar mais se a redução da tarifa sobre produtos sensíveis não for muito diferente do corte global para os outros produtos. A idéia geral é que o futuro acordo fixará corte de 70% sobre as tarifas agrícolas mais altas no comércio agrícola mundial. Só que para seus produtos sensíveis a UE quer cortar apenas 20%. Já o Brasil defende corte de pelo menos 37,5% no caso dos sensíveis. Também a atitude dos EUA começa a inquietar analistas. Os americanos parecem ter concluído que o corte de subsídios domésticos exigido pelos parceiros pode ser mais doloroso do que seu ganho com redução tarifária no comércio agrícola global. Assim, teriam reduzido a pressão em acesso ao mercado, não só sobre os europeus, mas também sobre a Índia. A Índia reiterou - junto com China, Indonésia e outros membros do G-20, o grupo liderado pelo Brasil - uma proposta para frear importações agrícolas desde que o preço varie 10%. "Isso nos deixa de cabelo em pé, porque 50% de nossas exportações agrícolas vão para os países em desenvolvimento", disse Donizete. "O Brasil precisa ser firme no G-20 nessa questão, e não apenas contemporizar como líder do grupo", acrescentou o especialista Pedro de Camargo Neto. André Nassar, diretor do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), vê sinais de "baixa de ambição nas negociações, e isso é fortemente preocupante para o agronegócio brasileiro". Joseph Daul, deputado francês que preside a Comissão Agrícola do Parlamento Europeu, vai na mesma direção. Ele indica que dois acontecimentos recentes mudam percepções entre parlamentares. O primeiro, que traumatizou a Europa, foi quando a Rússia fechou as torneiras do gás para a Ucrânia, mostrando a dependência européia do fornecimento russo. E segundo, foi a recente decisão da Argentina de proibir a exportação de carne bovina.