Título: O mito de que não somos capazes de crescer
Autor: Antoninho Marmo Trevisan
Fonte: Valor Econômico, 26/11/2004, Opinião, p. A-10

Sem investimento em infra-estrutura não há como sustentar o desenvolvimento. Se analisarmos o baixo nível dos investimentos, a chamada formação bruta de capital fixo - máquinas, equipamentos e construção, além da variação de estoques -, vamos constatar que se situou abaixo dos 20%, em média, nas duas recentes décadas. No mesmo período, a taxa de crescimento do PIB real também foi inferior à média histórica de 5% ao ano. Não é coincidência a estagnação econômica que vivemos nesse período. Hoje precisaríamos alcançar o patamar de pelo menos 25% do PIB de investimento para sustentar a retomada do crescimento. O problema fica dramático quando se verifica a baixa capacidade do setor público em aportar recursos para essa finalidade. O esforço fiscal respeitável que o Brasil tem feito para gerar de 4% a 5% de superávit primário sequer cobre a despesa com juros que incide sobre o estoque da dívida pública (a dívida líquida deve fechar o ano de 2004 ao redor de R$ 780 bilhões, ou 55% do PIB). Esse quadro acaba gerando desconfianças institucionais e financeiras no setor privado (interno e externo), que reluta, mesmo em momentos virtuosos de estabilidade e relativo crescimento, como experimentamos nestes dias, a retomar investimentos de forma firme e continuada. A política monetária atual impede o crescimento mais acelerado. A alegação conhecida, repetida e batida é o eventual descontrole inflacionário etc. Se entregassem ao tesoureiro o leme das decisões estratégicas, garanto que companhias como Gerdau e Natura seriam extremamente sólidas, mas estariam funcionando no fundo do quintal dos donos. A ousadia responsável e criativa é que impulsiona corporações e países no mundo inteiro. Correr e calcular riscos é parte do processo que cria riquezas para as pessoas e nações. É por essas e outras que o grupo temático "Fundamentos Estratégicos para o Desenvolvimento", constituído dentro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República (CDES), e comandado pelo ministro Jacques Wagner, tem debatido o que se convencionou chamar de "fatos portadores de futuro". Seis campos temáticos abrangentes foram identificados: a) desigualdades sociais e econômicas; b) crescimento econômico; c) infra-estrutura; d) financiamento do desenvolvimento; e) segurança pública e f) papel do Estado. A pormenorização dos principais componentes desses temas e a proposição de possíveis diretrizes de ação pertinentes a eles têm sido os trabalhos atuais desse grupo. Tenho me dedicado às questões de infra-estrutura e financiamento do desenvolvimento, em função das minhas atividades profissionais. Tenho atuado com minha equipe no estudo de problemas e na busca de soluções, para o setores privado e público. Os gargalos são maiores em quatro setores: energia, telecomunicações, transportes e saneamento/abastecimento de água. Nos quatro estão presentes não só a necessidade de ampliação da capacidade física, como também a obrigatória ampliação do acesso por parte da maioria da população (demanda) - este último aspecto, aliás, sempre negligenciado pelas fracassadas tentativas de reestruturação setoriais nas últimas décadas.

Não deve existir incompatibilidade entre estabilidade monetária e promoção do desenvolvimento

Propusemos dentro do CDES uma agenda de cinco itens quanto ao tema em análise. O primeiro refere-se às fontes de financiamento. Para disponibilizar recursos para investimentos, a discussão tem que se iniciar pelo mercado de capitais, com atenção para o custo de capital e o custo de oportunidade dos investimentos. Esse mercado tem papel decisivo, pelo poder de gerar e multiplicar recursos e investidores com redução de riscos e ampliação das práticas de boa governança e transparência. As políticas diretas do setor público vêm em seguida, com instrumentos como crédito, subsídios, incentivos e revisões tributárias. E, de modo complementar e fundamental, as parcerias público-privadas, modalidade capaz de responder à insuficiência de recursos públicos. O segundo item é a integração nacional. O investimento em infra-estrutura e o desenvolvimento devem buscar a melhor combinação entre a multiplicação de velozes e volumosos corredores de exportação e o adensamento e espraiamento territorial da estrutura produtiva, com implicações nos níveis de emprego, renda, pobreza e vários aspectos econômicos e sociais. O terceiro item é a gestão econômica, sobretudo as políticas fiscal, monetária e cambial. Trata-se de discutir a conjugação entre estabilidade monetária e promoção do desenvolvimento. Não deve existir incompatibilidade entre essas políticas. O quarto item é a demanda pelos bens e serviços de infra-estrutura, envolvendo políticas para o mercado de trabalho (emprego, renda e qualificação), as políticas sociais e assistenciais e as políticas de ampliação (via preços e renda) do acesso. Quanto mais avançarmos nas soluções nesse campo, menores terão de ser as políticas de "preços sociais" subsidiados e menores terão de ser as reduções na qualidade dos bens e serviços para baratear o acesso a eles. O quinto e último item refere-se ao arcabouço regulatório. A experiência mostra que estabilidade das regras e a fiscalização competente e crível são fundamentais para que as políticas públicas alcancem seus objetivos. A carência de definições e o histórico de rupturas contratuais e financeiras têm o poder de inviabilizar investimentos internos e sobretudo externos. Essa agenda pode facilitar o debate e a formulação de propostas. Ela é abrangente e permite que se selecionem aspectos prioritários, atores, cronogramas e metas. O CDES vai enfrentá-la e espera que a discussão cresça rapidamente para o interior dos atores sociais ali representados e desemboque na apresentação de propostas. O presidente Lula sabe que uma coisa é discutir riscos de crescimento até o fim dos anos 70 e 80. Outra é discutir hoje. Naquele momento não tínhamos capital humano em quantidade e qualidade, preparado para dar conta de qualquer espetáculo de crescimento. Diferente do que temos neste momento ímpar da nossa história. Moços e moças preparadíssimos, mestres e doutores como jamais tivemos. E quanto aos profissionais, nunca se prepararam tanto para o crescimento. É só levantar o número de cursos de pós-graduação e MBA e formandos nesses sete ou oito anos para se concluir que o Brasil está mais do que pronto para ousar, sem medo de crescer. Os homens e mulheres desse país estudaram tanto, se prepararam tanto para isso, que é pena frustrá-los com o argumento econômico tão pobre e singelo de que não somos capazes. Até quando?