Título: Não correção da tabela do IR penalizou assalariados
Autor: Marta Watanabe e Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 26/11/2004, Especial, p. A-12

A defasagem na atualização da tabela de Imposto de Renda (IR) das pessoas físicas desde 1996 comprometeu a renda disponível do trabalhador. Um salário que tenha apenas sido atualizado pela inflação de janeiro de 1996 até hoje pode ter sofrido mais de 250% de elevação de carga de IR na fonte. Os mais penalizados foram os assalariados, que têm o imposto retido pelos empregadores. O maior impacto acontece sobre os rendimentos que em 1996 estavam muito próximos aos limites de mudança de faixa da tabela, diz Ana Cláudia Utumi, do Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados. A estratégia de não corrigir os valores da tabela acabou contribuindo para reduzir a participação dos salários no PIB. Em 1992, por exemplo, os rendimentos equivaliam a 44% do PIB; neste ano, o número deve cair para 35%. A contrapartida dessa queda foi o aumento da carga tributária, que passou de 28% para cerca de 37% do PIB (elevação que não se deve apenas à não atualização das faixas de contribuição do IR, mas ao crescimento de receitas com contribuições como a Cofins). O secretário municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade de São Paulo, Marcio Pochmann, estima que a não correção da defasagem retira, neste ano, cerca de R$ 4,5 bilhões de recursos dos trabalhadores. Esta é a magnitude da redução da massa salarial líquida (que considera o dinheiro que pode ser destinado ao consumo). Pochmann diz que a correção da tabela daria mais fôlego à atividade econômica, pois a renda tem um papel fundamental para impulsionar a demanda doméstica. Um cálculo da ASPR Auditoria e Consultoria mostra que um trabalhador que ganhava R$ 1,6 mil mensais em janeiro de 1996, por exemplo, tinha 6,56% de seu salário retido para o IR. Caso tenha tido seu salário atualizado pela inflação, esse trabalhador tem seu contracheque tributado hoje em 12,66%. A conta levou em consideração uma inflação medida pelo IPCA/IBGE desde janeiro de 1996 até outubro último. E fez a dedução do bônus de R$ 100 mensais concedida excepcionalmente para este ano, desde agosto, pela MP nº 202/2004, aprovada ontem no Senado. Caso esse trabalhador esteja numa categoria que repôs 80% da inflação, a fatia de seu salário destinada hoje ao IR seria de 11,12%. A defasagem acontece porque, enquanto a inflação medida pelo IPCA atingiu 89,85% no período, a correção da tabela foi de apenas 17,5% em 2002. O consultor Pedro César da Silva, da ASPR, chama a atenção para o fato de que até mesmo quem estava isento em 1996 pode ter deixado de ter esse benefício. Um trabalhador que ganhava R$ 700 mensais em 1996 não tinha IR retido. Hoje, esse mesmo empregado que tenha tido atualização pela inflação sobre sua renda paga R$ 25,64, mesmo com o bônus de R$ 100. Uma comparação realizada pela Unafisco Sindical, sindicato que reúne os auditores fiscais da Receita, mostra que, em termos reais, a arrecadação do IR na fonte aumentou quase 40% de 1996 até 2003, enquanto a massa salarial apresentou redução no mesmo período. Em termos nominais, a receita com o IR subiu 143,3% no período, enquanto a massa de salários teve alta de apenas 55,5%. Para Narayan Duque, presidente da Unafisco São Paulo, a política do governo tem elevado a arrecadação de IR na fonte com uma carga tributária maior sobre os trabalhadores e menor sobre os rendimentos do capital. Além da falta de correção, os tributaristas lembram que a carga tributária sobre os salários aumentou também por conta da elevação de 25% para 27,5% na alíquota máxima da tabela de IR. O aumento foi determinado em 1997 e, pela previsão inicial, duraria três anos. A alíquota de 27,5%, porém, foi mantida. Silva lembra que, além disso, os tetos de deduções com dependentes e instrução também não foram integralmente corrigidos pela inflação, o que contribui para elevar a carga efetiva de IR sobre os trabalhadores. O secretário da Receita, Jorge Rachid, tem declarado que a correção da tabela em 17%, conforme variação aproximada do IPCA durante o governo Lula, representaria perda de arrecadação de até R$ 2 bilhões em 2005. Essa correção, porém, está praticamente descartada pelo governo, em razão do temor de que a correção provoque pressão inflacionária. O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, João Lopez Feijóo, diz que a estratégia de não atualizar a tabela do IR acaba por confiscar parte significativa da renda da trabalhador. "Isso retira recursos que deveriam estar em circulação na economia", afirma ele. "Se os valores forem corrigidos, parte do dinheiro volta para o governo na forma de novos impostos." Pochmann vai na mesma linha, afirmando que, além dos impostos que incidem sobre o consumo, a correção das faixas de contribuição do IR também se pagaria por meio do aumento da arrecadação de tributos previdenciários e sindicais.