Título: Quebra de sigilo do caseiro derruba Palocci
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2006, Política, p. A6

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva demitiu ontem o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, seu ministro mais forte desde o início do mandato e principal articulador da transição do governo anterior para o atual. Lula planejava demitir Palocci desde a semana passada, reforçou essa possibilidade no domingo, quando conversou com o ministro por telefone, e tomou a decisão em caráter definitivo na tarde de ontem, depois do depoimento do presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso, à Polícia Federal (PF). Leo Pinheiro/Valor - 01/12/2005 Palocci: "Não tive nenhuma participação, nem de mando, nem operacional, no que se refere à quebra do sigilo"

Mattoso revelou que entregou a Palocci o extrato bancário de Francenildo dos Santos Costa, o caseiro que testemunhou contra o ministro na CPI dos Bingos. O depoimento foi a gota d'água para a demissão de Palocci. Enquanto o presidente da Caixa falava na sede da PF, em Brasília, Lula estava reunido, no Palácio do Planalto, com os ministros da Coordenação Política, dentre eles, Palocci, aguardando o resultado do testemunho. No domingo, Lula convocou reunião, para a segunda-feira, e definiu que sua decisão sobre o futuro de Palocci dependeria do que o presidente da Caixa dissesse à polícia. No início da tarde de ontem, já se sabia na presidência da República que Jorge Mattoso contaria à PF que repassou os dados do sigilo bancário de Francenildo a Palocci. Mattoso teria antecipado o teor de seu depoimento ao secretário particular do presidente Lula, Gilberto Carvalho. No domingo, avisou ao líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), que falaria "toda a verdade" à PF. Mattoso citou o ministro duas vezes. Depois de ser ouvido pela PF, ele se dirigiu ao Palácio do Planalto para revelar o teor do testemunho que acabara de dar. Nesse momento da reunião, o próprio Palocci decidiu pedir demissão, embora o presidente Lula já estivesse, àquela altura, decidido a afastá-lo. Oficialmente, Palocci sai "a pedido". Na prática, foi demitido. Foi o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, quem sugeriu que, em vez de demissão, Palocci pedisse formalmente "afastamento" do cargo. "Foi uma forma de construir um caminho menos doloroso", comentou um assessor. "Neste momento, tudo está contra ele." A declaração de Mattoso abateu o presidente Lula. "O presidente não contava com isso", disse um participante da reunião no Planalto. Desde a semana passada, suspeitava-se do envolvimento de assessores do ministro na quebra do sigilo, mas não de sua participação direta no episódio. Por volta das 21h30 de ontem, a assessoria da Fazenda divulgou a carta de demissão de Palocci. Nela, assegura que não teve "nenhuma participação, nem de mando, nem operacional", na quebra do sigilo do caseiro. "Reafirmo ainda que não divulguei nem autorizei nenhuma divulgação sobre informações sigilosas da CEF. Sou consciente das leis e da responsabilidade do meu cargo. Sou consciente das regras da democracia e do Estado de Direito", rebateu o ministro. Lula esperou por mais de uma hora pela carta de demissão de Palocci, antes de confirmar oficialmente a sua substituição. Impaciente, ordenou ao senador Aloizio Mercadante que fizesse o anúncio. "O Estado de direito e os direitos da cidadania estão acima das circunstâncias e dos indivíduos. E na medida em que o Estado de direito não foi respeitado neste episódio, o presidente imediatamente muda sua equipe", comentou Mercadante. "Ao encaminhar o pedido de afastamento (do cargo), o ministro Palocci deu testemunho público de reconhecimento do erro", acrescentou Mercadante. Os últimos dias de Palocci no cargo foram dramáticos. Por causa do depoimento do caseiro Francenildo à CPI dos Bingos, em que afirmou ter visto o ministro várias vezes na "República de Ribeirão Preto", há quase duas semanas Palocci não ia à sede do Ministério da Fazenda. Ao agir dessa maneira, fugiu do cerco da imprensa, refugiando-se no Palácio do Planalto, onde ainda contava com o apoio do presidente da República. Esse apoio começou a minguar depois que a revista "Época" publicou dados do sigilo bancário do caseiro. A partir daí, a situação de Palocci tornou-se insustentável. Na segunda-feira da semana passada, o ministro começou a ouvir de seus próprios assessores que não havia mais como ele se manter no cargo. Apoiado por Lula, Palocci decidiu resistir. Ao longo da semana, o ministro evitou contato com os próprios auxiliares. Na sexta-feira, em sua primeira aparição pública desde o início do escândalo envolvendo o caseiro, Palocci tomou um avião para ir a São Paulo receber homenagem da Câmara Americana de Comércio (AmCham). No avião, redigiu de próprio punho o discurso em que afirmou que vivia um momento muito difícil no governo, um momento que "está mais para o inferno, ali entre o terceiro e o quarto círculos do Inferno de Dante". (Colaborou Paulo de Tarso Lyra)