Título: Exportação: sorte ou competência?
Autor: Antônio Delfim Netto
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2006, Brasil, p. A2

Não deixa de ser curioso (ou, talvez, engraçado?) assistir as autoridades econômicas congratularem-se entre si, um pouco imodestamente, pelos brilhantes resultados da exportação brasileira no governo Lula. Sem dúvida, comparado com o último ano da octaetéride fernandista, o governo que a sucedeu apresenta melhores resultados, como se vê na tabela abaixo: Para tornar a comparação mais razoável, é preciso lembrar que no primeiro mandato de FHC a política cambial foi devastadora. Utilizando a taxa cambial como instrumento de combate à inflação, a política monetária não recebeu qualquer apoio da política fiscal: o superávit primário acumulado ao longo dos quatro anos foi nulo. Com isso o Brasil amargou uma taxa de juro real média no período 1995/1998 da ordem de 22%, com um crescimento do PIB, no período, de 2,6% ao ano. E 1998 foi um ano terrível: crescemos apenas 0,1%, mas em compensação a taxa de inflação foi de 1,7%, inferior à do mundo! No segundo mandato, entretanto, depois de o governo ter sido puxado pelo nariz, consolidou-se a flutuação cambial que o mercado havia imposto, e se estabeleceu um sistema de metas inflacionárias. Por exigência do FMI (quando concedeu o "empréstimo" que salvou FHC em 1998), o governo "fingiu" um esforço e produziu um superávit primário médio de 3,5% do PIB. Espertamente, tal "esforço" foi todo transferido para a sociedade, através do aumento correspondente da carga tributária bruta, sem qualquer controle das despesas estatais. A taxa média de inflação foi de 9,7% ao ano em 1995-1998, e de 8,8% no quadriênio seguinte. Os benefícios do câmbio flutuante podem ser medidos pela redução da taxa de juro real média para 10% no período 1999-2002, não aproveitado para acelerar o crescimento, que foi de apenas 2,1% ao ano. Não por conta da política econômica, que foi muito melhor do que a anterior (câmbio flutuante, taxa de juro real menor e maior superávit primário), mas do famoso "apagão", seguramente a maior "barbeiragem administrativa" da história do Brasil desde que os portugueses o "acharam".

-------------------------------------------------------------------------------- Expectativas controlam a taxa de câmbio --------------------------------------------------------------------------------

Os resultados colhidos pelo governo Lula a partir de 2003 foram produto de uma feliz combinação de políticas iniciadas no governo anterior (continuadas depois) com uma conjuntura econômica internacional brilhante como não se via há décadas. Não se pode e não se deve, portanto, deixar de examinar o que acontecerá com o setor externo brasileiro se: 1) os eventuais riscos políticos reduzirem as transações internacionais ou o crescimento mundial desacelerar-se; e se 2) isso for combinado com um aumento da taxa de crescimento do PIB no Brasil para 4,5% a 5% ao ano. O atual saldo comercial é resultado de uma ampliação mais rápida de nossas exportações com relação às importações. A expansão do "quantum" de nossas exportações depende de três variáveis importantes: 1) a sua rentabilidade, que depende dos preços externos e da taxa de câmbio nominal e dos aumentos de custos internos, o IPCA); 2) do nosso poder de competição: a relação entre nossos preços em dólares e dos nossos concorrentes (não totalmente independente de 1); e, finalmente, 3) do nível das exportações mundiais. A expansão do "quantum" importado depende, de um lado, da comparação entre o preço em reais do produto nacional e o preço de importação em dólares (mais as tarifas) multiplicado pela taxa de câmbio. O valor das exportações e das importações é dado pela multiplicação do "quantum" exportado ou importado pelos seus respectivos preços em dólares no mercado internacional. O "quantum", como os preços, tem crescido substancialmente, o que levou à expansão das exportações, a partir de junho de 2002, e das importações, a partir de agosto de 2003. Estimando uma função de exportação (sempre praguejada de sutilezas econométricas), encontramos como "causas" da sua ampliação no período entre 2001 e 2005 (US$ 118,3 bilhões menos US$ 58,2 bilhões = US$ 60,1 bilhões) o seguinte (que deve ser tomado com a necessária reserva): 1) aumento das exportações mundiais, US$ 19,2 bilhões; 2) aumento dos preços mundiais, US$ 15 bilhões; 3) esforço interno, US$ 25,9 bilhões. Total: US$ 60,1 bilhões. O que esses números sugerem? Que na ausência do "empurrão externo", maior crescimento e maiores preços, teríamos exportado em 2005 qualquer coisa como US$ 84 bilhões, com "folga" muito menor no balanço comercial, ainda mais se o PIB tivesse crescido em torno de 4% como o governo esperava. É possível que tudo continue como está no campo econômico e político nos próximos anos. É possível, mas pouco provável! Sabemos que o que controla a taxa de câmbio são as expectativas: veremos o que acontecerá quando elas aconselharem o exportador a "retardar" suas operações e o importador a "acelerá-las" quando a tendência da taxa de juro real interna for fortemente declinante.