Título: Gaviria ataca concentração de poder na Venezuela
Autor: Bettina Barros
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2006, Internacional, p. A12

A recente guinada à esquerda da América Latina é um movimento saudável de alternância política, mas a preponderância de um partido na Venezuela preocupa o ex-presidente da Colômbia e da Organização dos Estados Americanos (OEA), César Gaviria. "Faltam os contrapesos tão importantes em um sistema democrático", diz. Familiar com a realidade venezuelana -ele foi um dos negociadores durante a crise de 2002 que tentou tirar Hugo Chávez do poder -, Gaviria diz ver dois problemas fundamentais no país: a falta de contrapesos ao governo Chávez e de liberdade de expressão. "Por circunstâncias particulares, um só partido predomina no setor público. Outra coisa que foi perdida é a liberdade de imprensa". Questionado se esse cenário precederia uma ditadura, Gaviria fala nas entrelinhas . "É preciso ficar atento porque é pouco desejável que essa tendência continue se impondo." Em visita a São Paulo para um debate sobre integração e democracia na América Latina, ele diz que a região pode sofrer também com os discursos nacionalistas na Bolívia e no Peru, que desencorajam o investimento estrangeiro. Quanto à atual crise no Equador, acha que o cenário é imprevisível. "Infelizmente, eles vivem a instabilidade política há uma década". Sobre integração, a advertência vai para o Mercosul. Gaviria diz que, se o bloco quiser avançar, terá de criar instituições sólidas, nos moldes da União Européia. "Cada solução depende da boa vontade dos países-membros. É preciso um sistema de solução de controvérsias, que tenha um alcance judicial e que seja menos político. Sem isso, o Mercosul fica muito vulnerável". Ex-presidente da Colômbia (1990-94), ele esteve pouco à vontade para falar do país. Seu Partido Liberal perdeu na eleição legislativa deste ano e deve assistir à reeleição do presidente Álvaro Uribe. A Colômbia de hoje é bem diferente da que ele herdou e deixou: a economia e os investimentos crescem, a inflação está baixa e a população voltou a ter alguma sensação de segurança no país. Mas o principal desafio continua sendo derrotar as guerrilhas, que alimentam o narcotráfico. "Já fizemos esforços enormes, mas é como andar numa bicicleta estática". E conselhos, ele não dá. "Uribe tem a tendência de crer que tem nas mãos a solução para todos os problemas".