Título: Mantega enfrentará testes sucessivos
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2006, Finanças, p. C2

A troca de comando no Ministério da Fazenda tem dois méritos capazes de amortecer parte da contrariedade do mercado financeiro com a indicação de um economista que não é seguidor direto e explícito da linha ortodoxa da atual política econômica e com os sinais de que a equipe econômica poderá ser desmantelada. A decisão de demitir Antonio Palocci e nomear Guido Mantega pelo menos acaba com as incertezas decorrentes do "cai-não-cai" do primeiro e coloca no seu lugar um técnico e não um político profissional sujeito a ataques da oposição. Mas o ex-presidente do BNDES não é, por enquanto, alguém que entusiasme bancos e investidores. O novo ministro da Fazenda terá de rever o tom de sua retórica crítica recente - em favor de quedas mais acentuadas dos juros, de desvinculação da política econômica dos interesses do mercado financeiro e de um superávit primário menos expressivo -, caso contrário pode fornecer pretextos para agitações destinadas a favorecer a candidatura presidencial predileta dos mercados, a de Geraldo Alckmin.

-------------------------------------------------------------------------------- Capital externo dita reação dos mercados -------------------------------------------------------------------------------- O mercado irá testar continuamente o novo ministro. O primeiro teste já ocorreu ontem à noite: em discurso de aceitação, Mantega garantiu a continuidade da política econômica. A segunda prova de fogo acontecerá, na prática, na quinta-feira, quando o CMN definirá a próxima TJLP, hoje em 9%. Qualquer queda mais incisiva do que o recomendado pelos fundamentos irá gerar receios em relação à próxima reunião do Copom do Banco Central, dia 19 de abril. "O novo ministro terá de dar um choque imediato de credibilidade", diz o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini. Ontem, dia em que parecia iminente a queda de Palocci, os mercados entraram para valer na crise. Até a semana passada, a expectativa de troca do ministro por um nome apoiado pelas instituições - um genérico de Palocci, partidário de sua política econômica -, mantinha o mercado sob tensão controlada, fraca liquidez e oscilações comedidas. Ontem foi diferente. A ameaça de nomeação de economista não inteiramente sintonizado com os princípios ortodoxos defendidos pela atual equipe econômica colocou em polvorosa tesoureiros e gestores de fundos. O termômetro das inquietações foi o sobe-e-desce do dólar. No momento em que os rumores apontavam o senador Aloizio Mercadante como virtual sucessor de Palocci, a moeda chegou a subir 2,23%, para R$ 2,2040. Mas fechou a R$ 2,1710, em valorização menos acentuada, de 0,78%, por causa de boatos - que depois se revelaram infundados - segundo os quais o governo havia encontrado uma maneira de preservar Palocci no comando da economia. Os dois segmentos que permaneciam abertos durante a confirmação da saída de Palocci e nomeação de Mantega - a Bovespa e o risco-país - reagiram negativamente, mas de forma moderada. A Bolsa subia 0,70% e fechou em alta de 0,17%. O risco-país, com avanço de um ponto, foi a 237 pontos-base, alta de quatro pontos. O mercado futuro de juros da BM&F fechou antes de anunciado o afastamento de Palocci. E os contratos não mostraram tendência. O comportamento contraditório - queda dos contratos mais curtos e alta dos mais longos - respeitou o mesmo fundamento: o de que o novo ministro irá acelerar o declínio da Selic. O contrato para a virada de abril cedeu de 16,33% para 16,31%. O CDI previsto para a virada do semestre caiu de 15,76% para 15,75%. Mas o contrato para a passagem do ano avançou de 15,12% para 15,15%. O contrato que mais reflete as apostas dos investidores estrangeiros, com vencimento em janeiro de 2008, saltou de 14,75% para 14,92%. A alta decorre da saída de capital externo e também da percepção de que uma flexibilização mais rápida da política monetária pode gerar pressões inflacionárias a serem combatidas, no futuro, por meio de um reaperto. Além de absorver Mantega, o mercado irá operar hoje com as atenções voltadas para a reação dos centros mundiais à decisão de política monetária do Federal Reserve (Fed), a ser anunciada às 16h15.