Título: Crescimento maior ajudaria Brasil a atingir o grau de investimento
Autor: Cristiane Perini Lucchesi
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2006, Finanças, p. C2

Um maior crescimento da economia poderia ajudar o Brasil a chegar com mais rapidez ao grau de investimento, espécie de selo de investimento não-especulativo que amplia o leque de investidores e reduz o custo de captação. Essa é a visão consensual de Lisa Schineller, analista de rating soberano da Standard & Poor's, e do secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy. Os dois participaram ontem de seminário do Ibef (Instituto Brasileiro dos Executivos de Finanças), no hotel Sofitel, em São Paulo. Fabiano Cerchiari/Valor Lisa Schineller, da S&P: "O impacto na questão fiscal nos ratings é mais tangível" A Standard & Poor's elevou, no início de março, a nota da dívida externa brasileira para "BB", dois degraus abaixo do grau de investimento. "O país não tem crescido e isso é uma preocupação, um problema", disse Levy. Para ele, isso deve mudar. "Não há razão para o PIB brasileiro crescer menos do que 4% ao ano, ainda mais agora que o processo de desinflação está chegando ao fim e os juros vão nos ajudar", afirmou. Para ele, "se não fizéssemos nada, chegaríamos ao grau de investimento em quatro anos, mas queremos acelerar isso", diz. Para ele, com medidas práticas o país chegar a esse status em 2007 ou 2008. Além do crescimento maior, é fundamental melhorar a qualidade do investimento público, "monitorando as despesas com saúde e educação", disse o secretário, que citou ainda inúmeras medidas microeconômicas que vêm sendo adotadas, como por exemplo o cadastro positivo. Segundo ele, graças a "um trabalho de formiga" do governo federal, hoje o grau de investimento está em "uma horizonte que podemos vislumbrar". A "melhoria na qualidade do ajuste fiscal" e a redução nos gastos com juros também contribuiriam de forma determinante para o Brasil atingir com mais rapidez o grau de investimento, diz Lisa Schineller, para quem a saída do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, não altera em nada essa perspectiva. Levy e a analista da Standard & Poor's lembraram que o crescimento econômico mais forte não é pré-condição para um país chegar à nota "BBB-", a primeira do grau de investimento. Mas, segundo Lisa Schineller, uma expansão maior no Produto Interno Bruto ajudaria a aumentar a arrecadação fiscal e portanto a reduzir a dívida pública, contribuindo para uma transição mais rápida para esse status. Para ela, o nível de investimento em relação ao PIB é insuficiente no Brasil e isso poderia ser mudado com medidas para reduzir o elevado custo Brasil e flexibilização de regras trabalhistas. O acesso ao crédito a custos compatíveis com o investimento, lembra Lisa Schineller, ainda continua restrito às maiores empresas brasileiras. "É necessário ampliar o mercado de capitais local", afirmou. Lisa Schineller lembrou que o México tem crescimento mais modesto e por isso demorou cerca de sete anos para passar do "BB" com perspectiva estável para o "BBB", o grau de investimento. Já a Rússia e o Cazaquistão, com um ritmo mais acelerado de incremento do PIB, fizeram o mesmo salto em 3 ou 4 anos. Hoje, o governo da Rússia é um credor líquido, com uma relação entre a dívida líquida do setor público e o PIB de zero, conta. Por isso, "apesar de ter menos previsibilidade política e instituições mais fracas do que o Brasil", a Rússia é grau de investimento, diz. É justamente o peso da dívida pública e seu perfil, aliados aos gastos com juros em relação à receita total do setor público, que mais limitam uma elevação na nota do crédito brasileiro, continuou Lisa Schineller. "O impacto na questão fiscal nos ratings é mais tangível, mais fácil de explicar, do que o do crescimento econômico." Os gastos com juros chegaram a representar 25% da receita do setor público em 2005 e devem cair a 17,5% neste ano, segundo ela. Essa mesma relação nos países com classificação semelhante ao Brasil ("BB") será de 12% e nos países no primeiro degrau do grau de investimento ("BBB"), de 25%, estima. A melhoria no perfil da dívida interna, com a queda da participação dos títulos indexados ao câmbio e maior participação dos papéis indexados à inflação (20%) e de juros prefixados (27%), ajuda, mas ainda é necessário reduzir em muito a fatia dos papéis indexados à taxa básica Selic e alongar prazos, avaliou. A relação entre a dívida líquida do setor público e o PIB, de mais de 52% no Brasil, é de 30% nos países emergentes que são grau de investimento ("BBB") e de 35% a 40% nos países "BB", como o Brasil. É para tentar reduzir essa relação que o governo não pode abrir mão de superávits fiscais primários acima da média dos outros países de mesmo rating do Brasil, segundo Lisa Schineller. A analista considera também que uma redução no superávit comercial é esperada para este ano e não vê com preocupação o retorno de um ligeiro déficit em conta corrente, desde que ele seja decorrente de um maior investimento direto externo e de gastos com importações de máquinas e equipamentos.