Título: Uma década de irregularidades
Autor: Sallum, Samanta
Fonte: Correio Braziliense, 28/05/2010, Cidades, p. 36

CAIXA DE PANDORA

Auditoria do Tribunal de Contas do Distrito Federal mostra que o esquema para contratar empresas de informática a preços superfaturados, sem licitação, vem desde 1999, no governo Roriz

Auditores do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) apresentaram a engenharia de funcionamento do esquema que sangrava os cofres públicos desde 1999. Num retrospecto, revelaram as irregularidades que já eram identificadas antes do governo de José Roberto Arruda, alvo da Operação Caixa de Pandora. Apontam que as práticas da gestão de Joaquim Roriz, entre 1999 e 2006, eram semelhantes: burlar a licitação para contratar empresas de informática a preços superfaturados. No balanço de trabalho das 48 auditorias (1)abertas em dezembro passado sobre contratos de 2009, os técnicos deram um histórico das irregularidades voltando uma década. Lembraram que, ao assumir o governo, em 1999, Joaquim Roriz usou o Instituto Candango de Solidariedade (ICS) para contratar pessoal em cargos comissionados sem concurso público e também como intermediador de empresas de informática. Saltou de R$ 70 milhões em 1999 para R$ 600 milhões, em 2005, o volume de recursos repassados do GDF ao ICS para pagamento de prestadoras de serviço escolhidas sem licitação. Em apenas um contrato com a Linknet e a Prodata, gerido pelo então presidente da Codeplan, Durval Barbosa, o superfaturamento foi de R$ 24 milhões em 2005, segundo apurou auditoria do TCDF. Na exposição dos técnicos do Tribunal, em palestra interna que o Correio acompanhou, ressaltou-se que o órgão não esteve inerte nesse período todo até que o Ministério Público e Polícia Federal agissem na Operação Caixa de Pandora, ocorrida em novembro passado, que implodiu o governo Arruda.

Para os auditores, a diferença entre as irregularidades de Roriz e de Arruda na contratação de informática é apenas uma: na cadeia de subcontratação ilegal de Arruda foi suprimido o ICS (veja quadro). Mas a intenção e a prática continuavam a mesma: gastos volumosos com serviços de informática, burlando licitação. O que direcionava as contratações, beneficiando determinados empresários que, segundo as denúncias da Operação Caixa de Pandora, em troca, abasteciam com propina a suposta rede de corrupção de compra de apoio político para Arruda.

Ralo O ICS foi usado como ralo de escoamento de dinheiro para empresas de informática até o fim de 2006. Em acordo com o Ministério Público do DF, que tinha diversas investigações e ações judiciais contra o instituto, Arruda extinguiu a entidade, garantindo a aparência de medida saneadora. No entanto, segundo o TCDF, a prática de burla de licitação continuou. Segundo os auditores, as contratações eram realizadas diretamente pela Codeplan. Entre 2007 e 2009, a empresa era presidida pelo atual governador Rogério Rosso (PMDB). Por meio da assessoria de imprensa, ele esclareceu que, quando assumiu o cargo na Companhia, em março de 2007, toda a parte de informática tinha sido transferida para a Secretaria de Planejamento. Rosso só teria aceitado o cargo com a condição de não ficar sob gestão da Codeplan tais contratos. O que na época era disputado pelo próprio Durval Barbosa, que se transformou no delator de todo o esquema. Em 2003, na gestão de Roriz, o Tribunal de Contas determinou ao GDF a suspensão de repasses ao ICS. No entanto, o governo e a entidade conseguiram mandados de segurança no Tribunal de Justiça do DF, revertendo a decisão. Em 2004, o TCDF voltou a divergir e mandou Durval Barbosa, na condição de presidente da Codeplan, abster-se de realizar novos contratos por meio do ICS. Pouco adiantou. Paulo Fona, assessor de imprensa de Roriz, comentou as conclusões do Tribunal de Contas. ¿Os responsáveis pelos contratos agiam com autonomia administrativa e seguiam o que as respectivas assessorias jurídicas autorizavam. Uma coisa é o Tribunal de Contas dizer agora que não podia ser feito na época tais procedimentos, o que é diferente de afirmar que houve desvio de dinheiro. E o Tribunal de Contas pode ter um entendimento, mas que nem sempre é palavra final. A Justiça autorizou os repasses de dinheiro ao ICS¿, explica.