Título: "Não há mágica na economia", diz Lula
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Valor Econômico, 29/03/2006, Especial/ Mudança ministerial, p. A4

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou o discurso de posse do novo ministro da Fazenda, Guido Mantega, para responder à tensão do mercado financeiro em relação a mudanças na política econômica e à oposição que decretou o fim do seu governo com a saída do ex-ministro Antonio Palocci. Ruy Baron/Valor Lula entre Mantega e Palocci: "Posso lhe dizer que a nossa relação é de companheiro, possivelmente mais do que a relação de irmão. Muito obrigado, querido" O presidente evocou Mantega para dar o primeiro recado: "Quero dizer ao companheiro Guido Mantega, Palocci, o mesmo que eu disse para você no começo: não existe mágica em economia". E referiu-se diretamente à oposição para dar o segundo recado: "Surpreendi-me ontem quando um senador, até então muito crítico seu dizia - 'O Palocci é o maior ministro da Fazenda da história do Brasil' - Nem tanto. Mas, de qualquer forma, para quem é achincalhado num dia, no outro receber um elogio dessa envergadura, termina sendo gratificante". Lula usou a ironia para se referir ao discurso do senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) no dia anterior. Em seguida, enumerou uma série de realizações econômicas e sociais de seu governo para concluir: "Obviamente que você não era ministro de tudo - mas, certamente, todos nós aqui, os mais críticos os menos críticos, os apoiadores, todos nós sabemos que um pouco disso nós e o Brasil devemos a você". O presidente também deixou claras quais foram as razões da queda do ministro: "Nossa vida é marcada por momentos extraordinários, de acúmulo de prazeres e alegria, e a vida nossa é marcada por dissabores, por acusações, às vezes por leviandades, às vezes acusações que nós temos que humildemente provar que não são verdadeiras, mas eu penso que tudo isto, Palocci, significa para um jovem como você, apenas mais uma lição, mais um aprendizado, que certamente encaixou na sua consciência e, mais do que qualquer um de nós, você sabe quais os passos que você dará daqui para frente". O restante do discurso foi dedicado a elogios e a agradecimentos ao ministro que saía, a quem chamou de "irmão". Lula, que não falou na despedida de seu primeiro braço direito a deixar o governo, o ex-ministro José Dirceu, emocionou Palocci e a muitos ministros que compareceram à cerimônia. Lembrou o papel de Palocci na elaboração da Carta ao Povo Brasileiro, "um marco na campanha de 2002" que o fez ultrapassar os 30% das pesquisas de intenção de voto e atingir a vitória. Lula deixou explícito que Mantega não apenas é qualificado para fazer o que Palocci fez, como está, com o aprendizado obtido junto ao antecessor, em condições de fazer mais e melhor, como vaticinara o próprio Palocci em seu discurso na solenidade do Planalto. O presidente encerrou o discurso com mais uma pungente declaração de amizade a Palocci: "Eu posso terminar dizendo, Palocci, uma coisa que eu já falei a vida inteira: nem todo irmão da gente é um grande companheiro, até porque você não escolhe irmão, mas companheiro você escolhe. E eu posso te dizer, Palocci, que se é verdade que nem todo irmão é um grande companheiro, é verdade que um bom companheiro é um grande irmão. É por isso que posso te dizer, independente deste momento que estamos vivendo agora, eu posso lhe dizer: a nossa relação é de companheiro, possivelmente mais do que a relação de irmão. Muito obrigado, querido." O presidente prosseguiu relembrando as diversas vezes em que os governos anteriores apresentaram planos econômicos. "Não foi nem uma, nem duas, nem três vezes que, neste país, se apresentou à sociedade um modelo econômico que ia salvar o Brasil. Ele durou, às vezes três meses, às vezes um ano, às vezes dois anos". Segundo o presidente, o objetivo do governo é "garantir ao povo brasileiro um ciclo, quem sabe uma década, quem sabe duas décadas, quem sabe três décadas de crescimento virtuoso, para que a gente possa recuperar, em alguns anos, a dívida social que foi acumulada durante séculos e séculos nesse país". O ex-ministro Antonio Palocci não citou diretamente o episódio da quebra do sigilo do caseiro Francenildo dos Santos Costa, que motivou a sua demissão do governo. "Não me arrependo nenhum minuto de ter dedicado 25 anos de minha vida pública ao seu projeto político", disse a Lula. No abraço, no fim do discurso, Palocci deu um leve beijo no rosto do presidente, e recebeu um tapinha carinhoso no rosto de volta.