Título: Países debatem reforma da Justiça
Autor: Thiago Vitale Jayme
Fonte: Valor Econômico, 26/11/2004, Legislação & tributos, p. E-1

A divisão do Judiciário brasileiro entre tribunais estaduais e federais colabora para aumentar a morosidade do serviço prestado pelas cortes à sociedade. Essa é a opinião do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Edson Vidigal. "Às vezes demora-se meses, até anos, para se saber de quem é a competência para julgar um determinado processo, só para descobrir onde o caso será julgado inicialmente", disse ontem o ministro, na abertura do I Encontro da Reforma Judiciária na América do Sul. O evento tem a participação de presidentes de cortes supremas de sete países sul-americanos e é realizado no Palácio do Itamaraty, em Brasília. Os ministros trocaram experiência sobre o funcionamento do Judiciário em suas respectivas nações. Entre as reclamações sobre o Judiciário brasileiro, Vidigal destacou o excesso de recursos ao Supremo Tribunal Federal (STF) de decisões do STJ. Reclama que o STF deveria receber apenas litígios constitucionais. "Hoje, o STJ funciona como um tribunal de passagem; é, na prática, uma quarta instância", afirmou. O presidente da Corte Suprema da Bolívia, Eduardo Veltzé, destacou o fortalecimento do Judiciário depois da democratização do país, há 20 anos. "A criação de conselhos de magistratura e da advocacia foram passos fundamentais para dar independência às cortes bolivianas", disse. Orgulhoso, o presidente da Corte Suprema do Chile, Marcos Libedinsky, falou da forma eficiente de funcionamento do Judiciário local. O sistema é bem mais simples que o brasileiro, pois o país é unitário e não federativo. Assim, há apenas tribunais de primeira instância, de apelação e a Corte Suprema. Há também o tribunal constitucional, que só se pronuncia sobre reclamações de leis que estão em fase de aprovação e podem afrontar a Carta Magna chilena. Se a legislação já foi aprovada, uma ação de inconstitucionalidade deve ser ajuizada na Corte Suprema. Libedinsky falou que o Judiciário é autônomo em questões orçamentárias. O dinheiro vai para uma corporação administrativa da Corte Suprema, que distribui as verbas. A experiência chilena foi elogiada pelo secretário especial da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Sérgio Renault. "A autonomia orçamentária do Judiciário é fator importante para o fortalecimento do poder", disse. Já o presidente da Corte Suprema da Colômbia, Sílvio Trejos Bueno, relatou a dura realidade das instituições colombianas, sufocadas pelos braços do narcotráfico. "Temos juízes em cada um dos municípios colombianos. Há magistrados em cada centímetro da pátria. É a única maneira de recuperar o sistema e de haver Justiça para todos", afirmou. No discurso de abertura do evento, Vidigal deu o tom a ser adotado nas palestras. Destacou a importância do Judiciário dos países da América do Sul de dar um recado aos investidores estrangeiros de que há segurança jurídica para apostar as fichas no continente. "Onde há segurança jurídica, os capitais aportam e demoram", disse. O ministro falou em afinar o discurso para enviar esses sinais ao exterior. A declaração, no entanto, não agradou o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Cláudio Baldino Maciel. "A magistratura sempre denunciou que a reforma do Judiciário é orientada por interesses de investidores internacionais", disse. E disparou: "Queremos reformas institucionais que sirvam ao povo brasileiro, como a melhoria do acesso à Justiça e a simplificação dos ritos processuais, mas não aceitamos a reforma de nossa Justiça com base nos interesses do mercado internacional", disse Baldino, em nota divulgada no fim da tarde de ontem. Cláudio Baldino Maciel também criticou a iniciativa de Vidigal de incentivar os investimentos no país. "Se os Judiciários latino-americanos devem 'afinar o discurso', que o seja em torno dos reais valores do Estado democrático de direito", disse. Ao terminar, o magistrado avisou que "a magistratura nacional não se vê representada nas manifestações do ministro Edson Vidigal."