Título: A Lei de Falências e os não-empresários
Autor: José Marcelo Martins Proença
Fonte: Valor Econômico, 29/03/2006, Legislação & Tributos, p. E2

A nova legislação falimentar brasileira, inovadora na criação do procedimento de recuperação judicial e extrajudicial de empresas, equivocou-se em restringir sua aplicação somente aos empresários e sociedades empresárias, colocando em risco seu principal objetivo - a proteção e o incentivo à atividade econômica. Esse grave erro, já ressaltado em outros de nossos trabalhos, poderá ser consertado com a aprovação do relevante projeto de alteração da Lei nº 11.101, de 2005, de autoria do deputado Medeiros. De fato, o texto atual da lei falimentar prevê como beneficiários dos processos de recuperação, judicial e extrajudicial e da falência somente aqueles que exerçam atividade empresária (excluindo, contudo, vários deles, como as sociedades de economia mista e as instituições financeiras, dentre outros). Assim, todos os não-empresários, incluindo sociedades simples e cooperativas, mesmo que titulares de relevante atividade econômica, gerando incontáveis postos de emprego, milhões de reais em impostos e contribuindo de forma implacável para o desenvolvimento econômico e social do país, estão alijados das prerrogativas e benefícios constantes na legislação falimentar. Se os não-empresários podem ser relevantes agentes econômicos, por que devem ser excluídos da possibilidade de pleitear a recuperação da sua atividade por motivo de crise econômico-financeira? Por que não permitir que associações, cooperativas (largamente utilizadas pelo nosso relevantíssimo agronegócio) e sociedades simples (sociedades de advogados) utilizem-se do processo de recuperação? Entendemos inexistir qualquer motivo que justifique essa distinção. Uma vez que a nova legislação tem por objetivo a preservação da atividade produtiva, em razão de sua função social, por ser geradora de riqueza econômica, de emprego e de renda, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento econômico e social do país, a cessação dessa atividade produtiva provoca a perda do agregado econômico representado pelos chamados intangíveis (nome, reputação, know-how, treinamento e perspectiva de lucro futuro).

-------------------------------------------------------------------------------- Os não-empresários estão alijados das prerrogativas e benefícios constantes na lei falimentar -------------------------------------------------------------------------------- A idéia não é nova. Inglez de Souza, em seu "Projecto de Código Comercial", já há muito adjetivou como odiosa a teoria jurídica que distingue a situação do devedor civil do devedor comerciante. "Para o devedor comerciante, vítima de iguais fatalidades, há a concordata, que lhe permite voltar à atividade mercantil. O devedor civil assiste impotente à destruição de sua casa, à perda de seus haveres, herdados ou adquiridos à custa de tantos sacrifícios, e, o que é pior, vê perdido o futuro, incerta a subsistência, desgraçada a família, morto todo o estímulo, sufocada toda a ambição". Essa inexplicável e incorreta diferenciação de tratamento entre empresários e não-empresários tende, enfim, a ser corrigida, pelo projeto de lei do deputado Medeiros, que visa alterar o artigo 1º da Lei nº 11.101, para nele constar: "Esta lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência das pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, empresárias ou não, doravante referidas simplesmente como devedores". O autor do projeto de lei, ao justificá-lo, destaca o seu objetivo: "Intuito de preencher uma importante lacuna que, infelizmente, persistiu na nova lei, qual seja, a unificação da insolvência civil e da falência, estendendo também os benefícios das recuperações judicial e extrajudicial aos devedores não-empresariais, incluindo as cooperativas". Assim, caso aprovado o projeto, os titulares de atividades não empresárias (sociedade de advogados, cooperativas agrícolas, clínicas médicas e associações esportivas, dentre inúmeras que poderiam ser citadas), por serem geradores de empregos, pagadores de tributos, promotores de desenvolvimento econômico e social, quando atravessarem crises econômico-financeiras, mas verificando a possibilidade de sua recuperação, poderão lançar mão, como fazem os empresários, de procedimentos que permitam a manutenção da atividade. Concluindo, denota-se que com a aprovação desse importante projeto de lei, que rogamos se dê em breve, o país verificará, enfim, os não-empresários sendo destinatários da legislação que protege (e, assim, incentiva) a atividade econômica, de interesse não apenas do seu titular, mas de toda a sociedade. José Marcelo Martins Proença é advogado, mestre e doutor em direito comercial pela Universidade de São Paulo (USP) e sócio do escritório Approbato Machado Advogados