Título: Chá de camomila
Autor: Eliana Cardoso
Fonte: Valor Econômico, 30/03/2006, Brasil, p. A2

Nossa taxa de câmbio real hoje representa apenas 80% do seu valor médio no longo prazo, segundo o estudo de Mário Mesquita e Zeina Latif ("Brazil: looking at the BRL", ABN Amro, 2006). A sobrevalorização é grande e pode estar subestimada. O PIB per capita do Brasil medido em paridade de poder de compra chegou a quase 30% do PIB per capita americano em 1980. Mas hoje não vale 20% do mesmo. Essa disparidade reflete o fato de que nos últimos 25 anos a produtividade do Brasil cresceu abaixo da dos EUA. Para os economistas, que acreditam no efeito Balassa-Samuelson, isso significa que a taxa de câmbio real que corresponderia a um equilíbrio de longo prazo deveria ser hoje mais desvalorizada do que a média dos anos passados. A valorização do real preocupa porque põe em risco as exportações e o crescimento. Choques adversos costumam reverter a valorização com rapidez. Mas o governo só poderá corrigir a sobrevalorização sem causar sobressaltos ao desmanchar o nó fiscal. Uma política insensata de controles de capital aumentaria a instabilidade. A valorização do real preocupa porque põe em risco as exportações e o crescimento. Choques adversos costumam reverter a valorização com rapidez. Mas o governo só poderá corrigir a sobrevalorização sem causar sobressaltos ao desmanchar o nó fiscal. Uma política insensata de controles de capital aumentaria a instabilidade. Na decisão sobre o que fazer vale começar pelo diagnóstico sobre o que causou a valorização do real entre 2003 e 2006. Os primeiros candidatos são o diferencial dos juros domésticos e externos e o rápido crescimento das exportações líquidas.

-------------------------------------------------------------------------------- Correção do câmbio passa por cortes de gastos -------------------------------------------------------------------------------- O aumento das exportações afeta a taxa de câmbio através de dois canais. Como representa um aumento da procura agregada em relação ao produto potencial, aumenta a taxa de juros doméstica. E, como melhora os indicadores de vulnerabilidade externa, reduz o risco-país. À primeira vista, a explicação que se baseia no diferencial entre as taxas de juros doméstica e externa (seja por causa da política monetária, seja por causa do aumento das exportações) parece não funcionar. Pois a valorização do real entre 2003 e 2006 coincide com uma redução do diferencial de juros. Veja a figura 1. Antes de tentar entender o que a figura 1 está dizendo, examine o efeito da redução do risco que está por trás da valorização do real. Na figura 2, se vê que as grandes oscilações do prêmio de risco explicam tanto a forte desvalorização entre 2001 e final de 2002, quanto a forte valorização entre 2003 e 2006. A partir de 2003, o risco-país despenca por causa do aumento do apetite dos investidores por papéis dos emergentes, da percepção de que não haveria calote depois da posse de Lula e do aumento das exportações, que permitiu a melhora dos indicadores de vulnerabilidade externa. A dramática queda do risco levou à valorização cambial que permitiu a queda da inflação e o corte das taxas de juros. A primeira figura reflete a reação do Banco Central à valorização do câmbio, e não à ausência de uma resposta do câmbio ao diferencial de juros. O diferencial de juros afeta a taxa de câmbio e ela afeta a taxa de juros na função de reação do Banco Central, mas a figura capta apenas a segunda dessas duas relações. Na ausência de notícias ruins, poder-se-ia esperar que o risco se estabilizasse e a queda da inflação permitisse ao Banco Central cortar a taxa de juros doméstica mais agressivamente. Uma política fiscal sensata, que colaborasse para manter o risco estável, permitiria os cortes da taxa de juros, que levariam a uma gradual correção da valorização excessiva. Tamanho otimismo parece exagerado quando a troca do ministro da Fazenda traz incertezas não só a respeito de gastos excessivos em ano de eleição, mas também em relação à continuidade da ortodoxia numa próxima administração Lula-Mantega. O período eleitoral convida todo tipo de propostas heterodoxas, enquanto o aumento das taxas de juros no resto do mundo parece certo. Há, portanto, a possibilidade de que o risco-país suba e provoque uma desvalorização cambial. Não seria essa a desvalorização desejada, pois não seria resultado da estabilidade e da queda dos juros. Os exportadores poderiam sair ganhando, mas nossos problemas econômicos continuariam sem solução. A forma de conseguir um câmbio mais estável e competitivo passa por cortes de gastos e impostos. Enquanto os cortes não vêm, vamos bebendo chá de camomila, para sossegar o coração assustado pelas incertezas de 2006.