Título: Mazelas do progresso
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 31/05/2010, Economia, p. 8/9

Paracatu (MG) ¿ O desenvolvimento inequívoco proporcionado pela exploração do ouro no pequeno município mineiro também deixa as suas mazelas. Ao mesmo tempo em que a modernidade se sobrepõe a olhos vistos, fagulhas do atraso insistem em se fazer presentes por meio da destruição de rios, da devastação da mata nativa e do desaparecimento de parte do patrimônio histórico.

A nova barragem de rejeitos da mineradora canadense Kinross ocupará um vale originário de quilombolas. Os descendentes dos escravos que trabalharam no Córrego Rico e no Morro do Ouro venderam suas terras e se mudaram para a periferia da cidade para ocupar subempregos.

Na extinta comunidade do Machadinho, na entrada da cidade, o pedreiro José Benedito Morais de Lima, 42 anos, conhecido por Zé Dito, conta a história do tataravô Antônio Morais de Lima. Um mulato que nasceu livre e deixou para os herdeiros as terras que ocupava em um morro próximo a Paracatu. Cerca de 200 anos depois, só restam, no local, tijolos do que foi um fogão e um cruzeiro onde começavam e terminavam os festejos.

¿Essa terra não podia ser vendida por dinheiro nenhum. Tem um valor sentimental muito grande¿, diz Zé Dito, em meio aos escombros que antes formavam a casa de um dos seus tios. Ele relata que, depois da morte do pai e dos parentes que moravam no local, os herdeiros não receberam os títulos das terras. Uma pessoa desconhecida teria vendido o local para a mineradora.

Apesar dessa suspeita de grilagem, Zé Dito admite que a comunidade deixou de existir por vontade própria. ¿Todo mundo ficou de olho grande no dinheiro. E os que conseguiram receber alguma coisa pelas terras agora se arrependem, pois não conseguiram comprar nem uma casinha simples na periferia da cidade, que está ficando muito cara¿, afirma.

Medos latentes A mina da Kinross fica entre dois quilombos. De um lado, a extinta comunidade do Machadinho, que deu lugar da nova represa. Do outro, São Domingos, que ainda mantém parte das tradições dos primeiros escravos que chegaram a Paracatu. Todos os dias, eles recebem vários ônibus de turismo para vender artesanatos e doces, contar histórias do início da cidade e mostrar uma cachoeira que hoje só existe quando chove forte. ¿Paracatu começou em São Domingos; somos um museu vivo da história¿, diz Magna Aparecida dos Reis Sousa, 53 anos.

O pai de Magda, Aureliano Lopes dos Reis, 97, já foi garimpeiro assim como quase todos os homens de idade mais avançada na comunidade. ¿Eu ia para Cristalina garimpar ouro e pedras preciosas. Caminhava três dias até lá para colocar comida dentro de casa¿, relembra, orgulhoso da força que tinha na juventude. (VM)