Título: Risco de uma nova bolha
Autor: Bancillon, Deco
Fonte: Correio Braziliense, 30/05/2010, Economia, p. 14/15

O fato de o grama do ouro ter registrado valorização no Brasil de 586,3% desde 1999 ¿ a maior parte dessa alta, nos últimos três anos ¿ incitou um debate entre os analistas: estará o mundo diante uma nova bolha especulativa? Para o economista Keyler Carvalho Rocha, professor da Universidade de São Paulo (USP) e ex-diretor de Mercado de Capitais do Banco Central, a tendência é de que a cotação do metal despenque assim que as turbulências externas cessarem, empurrando, ladeira abaixo, os investidores que especulam com a commodity (mercadoria com cotação internacional). ¿Ouro é investimento que não rende juros nem dividendos. É preciso ficar claro que ninguém pode aplicar em um ativo que, por um longo tempo, só resultou em prejuízos. Uma hora a bolha vai estourar¿, diz. Nas suas contas, o movimento de valorização do minério começou, gradualmente, a partir da crise de 2001, com os atentados ao World Trade Center, em Nova York. O medo de que a guerra ao terror declarada pelos Estados Unidos pusesse em xeque a segurança do mundo fez com que os investidores ¿ e os Bancos Centrais ¿ passassem a aumentar suas posições em ouro. Esse movimento, acrescenta o economista Maurício Molan, do Banco Santander, ganhou força com a política de juros baixos adotada pelo governo norte-americano, para estimular o consumo a fim de evitar uma recessão prolongada. ¿Sempre que se tem dinheiro barato por muito tempo, corre-se um risco sério de geração de bolhas. E pelo que estamos vendo agora, é possível que o ouro seja uma nova bolha.¿

Famílias endividadas Em abril de 2002, a onça troy oscilou em torno de US$ 300 e permaneceu acima desse patamar desde então. ¿Foi quando se deu início a uma nova sequência de altas, que culminou com os US$ 840 a onça, em novembro de 2007, voltando aos patamares recordes atingidos no início dos anos 1980¿, escreveu o geólogo e economista Mariano Laio de Oliveira no estudo Ouro, publicado em dezembro de 2009 pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Ao Correio, ele diz que a quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, em setembro de 2008, e o aprofundamento da crise fiscal na Zona do Euro, este ano, jogaram mais lenha na fogueira. Para ele, o ouro está tão valorizado que já começa a interferir na vida de pessoas normais, que nada têm a ver com o vaivém do mercado. Na Índia, por exemplo, famílias têm se desfeito por conta da valorização excessiva do minério. ¿Pela tradição indiana, a família da noiva tem de que pagar o dote (prêmio em ouro) à família do noivo. Com a alta do metal, muitos pais de noivas têm se endividado de forma descontrolada¿, observa. Apesar disso, os indianos continuam demandando bastante ouro. Relatório publicado em maio deste ano pelo Conselho Mundial do Ouro (WGC, na sigla em inglês), mostra que o consumo do metal naquele país cresceu 698% no primeiro quadrimestre de 2010, chegando a 193,5 toneladas. Tamanho apetite faz da Índia o maior consumidor de ouro do mundo, segundo dados da consultoria londrina Gold Fields Mineral Services.