Título: Serraglio isenta Lula e exclui filho no relatório da CPI
Autor: Raquel Ulhôa e Thiago Vitale Jayme
Fonte: Valor Econômico, 30/03/2006, Política, p. A16

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou isento de qualquer responsabilidade pelo "mensalão" - esquema de financiamento de parlamentares em troca de apoio ao governo - no relatório final apresentado ontem pelo deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) à CPI dos Correios. O pemedebista também não citou o nome de Fábio Luis da Silva, filho do presidente, embora tenha feito referência aos investimentos da Telemar na empresa dele, a GameCorp S/A, em operações que levantaram suspeitas de favorecimento ao filho do presidente, conhecido como Lulinha. Apesar disso, o Planalto considerou o relatório da CPMI dos Correios, lido ontem no Senado, como uma peça repleta de ilações e extremamente politizado. A decisão, no entanto, é não criticar o texto do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), deixando para os representantes governistas na CPI a tarefa de defender o governo. Ontem mesmo, o ministro da Coordenação Política, Jaques Wagner, ligou para o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e para o deputado Maurício Rands (PT-PE), escalando-os para os embates com a oposição. "O texto não traz fatos, apenas ilações, como a declaração de que o presidente Lula sabia da existência do suposto mensalão", criticou um assessor. Wagner não quis comentar o relatório, lembrando que ele ainda precisa ser votado pelos integrantes da Comissão e que, por isso, pode ainda sofrer alterações. A votação do texto de Serraglio, de 1828 páginas, está marcada para a próxima terça-feira e deve sofrer várias alterações. Os parlamentares podem apresentar emendas. "Ele apresentou um texto diferente do esperado", afirmou o presidente da CPI, senador Delcídio Amaral (PT-MS). "Essa versão é da responsabilidade do relator e vai ser submetida a muitas discussões. A versão da CPI ainda não é essa", disse o deputado Maurício Rands (PT-PE), relator-adjunto. Entre as mais de cem pessoas para as quais Serraglio sugere indiciamento por envolvimento em corrupção, estão os ex-ministros José Dirceu (corrupção ativa) e Luiz Gushiken (tráfico de influência e corrupção ativa), os ex-dirigentes petistas Delúbio Soares (falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, crime eleitoral e peculato), Sílvio Pereira (tráfico de influência) e José Genoino (falsidade ideológica, corrupção ativa e crime eleitoral) e o empresário Marcos Valério de Souza - esse último em nove crimes. Ele também pede indiciamento dos banqueiros Ricardo Guimarães e Kátia Rabelo, presidentes do BMG e do Rural, instituições que fizeram empréstimos a Marcos Valério, considerados "falsos" por Serraglio. O relatório é impreciso quanto ao número exato de indiciados. Mais de 150 nomes são citados, entre aqueles com crimes identificados e os encaminhados para investigações posteriores no Ministério Público. Inicialmente, não ficou claro o indiciamento dos 18 deputados beneficiados pelo valerioduto, porque o texto diz que eles "podem ter incorrido em crime eleitoral e de sonegação fiscal". Mas Serraglio afirmou que teve a intenção de indiciá-los por esses crimes, além de pedir ao Ministério Público que apure se houve corrupção passiva. O senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) foi indiciado por crime eleitoral - já prescrito. Ele renunciou à presidência de seu partido quando vieram à tona empréstimos de R$ 9 milhões de Marcos Valério à sua campanha eleitoral de 1998, na qual concorreu à reeleição pelo governo de Minas. "Ele será indiciado por crime eleitoral. Há um fato comprovado de que recursos de caixa dois transitaram na campanha de 1998", afirmou Serraglio. Assim que o relatório de Serraglio foi divulgado, Azeredo divulgou nota dizendo que recebeu com "estranheza e indignação" o pedido de seu indiciamento. "O critério utilizado para a citação de meu nome foi claramente político. Não fosse isso, o relatório teria pedido, pelo mesmo crime eleitoral, o indiciamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de outras lideranças, cujas campanhas foram pagas, inclusive, com depósitos em contas no exterior ou com dinheiro vindo de outros países", diz a nota. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes da Silveira, foram indiciados por sonegação fiscal, crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e a ordem tributária e lavagem de dinheiro. São acusados de "remessa indevida de recursos ao exterior" e "recebimento de dinheiro de origem duvidosa". O próprio Duda afirmou à CPI ter recebido no exterior parte do pagamento pela campanha de Lula - R$ 10,5 milhões -, recursos movimentados pelo caixa dois. Durante as investigações, a CPI constatou que uma movimentação bem maior na conta Dusseldorf, aberta pelo BankBoston International, e o publicitário foi acusado de mentir. O presidente Lula mereceu de Serraglio um capítulo exclusivo, intitulado "A Ciência do Presidente Lula". Nele, diz que Lula foi informado pelo ex-deputado Roberto Jefferson da existência do suposto esquema de pagamento a parlamentares e pediu providências ao então ministro Aldo Rebelo. "(...) Não incide, aqui, responsabilidade objetiva do chefe maior da nação, simplesmente por ocupar a cúspide da estrutura do poder Executivo, o que significaria ser responsabilizado, independentemente de ciência ou não. (...)Não se tem qualquer fato que evidencie haver se omitido", afirma o relator. O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio, anunciou que apresentará emenda deixando claro que "Lula foi omisso e mentiu quando afirmou que o mensalão não existiu". Serraglio pede indiciamento de Nilton Monteiro e Luis Fernando Caceroni, acusados de montar a chamada "Lista de Furnas" - relação de parlamentares da oposição, especialmente do PSDB, supostamente beneficiados pelo mensalão. A oposição se dividiu ao opinar sobre o tratamento dado por Serraglio a Lula. "O relator foi pouco conclusivo em relação ao presidente da República", disse o senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT). Já o deputado ACM Neto (PFL-BA), que classificou o relatório como "equilibrado", achou o trecho sobre Lula "cuidadoso dentro dos limites". Mas o parlamentar adiantou que irá pedir alterações importantes no relatório, principalmente em relação ao filho do presidente. Serraglio afirmou que não citou Lulinha "para não criar um clima político desfavorável". A suspeita de favorecimento do filho do presidente deve-se aos investimentos de R$ 5 milhões da Telemar, empresa na qual os fundos de pensão Petros e Previ possuem participação, na GameCorp, produtora de jogos eletrônicos. O relator propõe que o Ministério Público investigue a operação. "Uma pergunta se impõe: foram, de alguma forma os fundos de pensão acionistas da Telemar, lesados pelos negócios realizados com a empresa Gamecorp?", indaga o relator. Ficou para os próximos dias uma possível inclusão de novos nomes de sacadores e de deputados beneficiados pelo mensalão. Suspeita-se que mais de 50 assessores e 63 deputados podem estar na nova lista.