Título: Relatório identifica perdas de R$ 700 milhões nos fundos
Autor: Thiago Vitale Jayme e Raquel Ulhôa
Fonte: Valor Econômico, 30/03/2006, Política, p. A17

Irregularidades cometidas por 13 fundos de pensão vinculados a empresas estatais provocaram prejuízo de cerca de R$ 700 milhões nos últimos seis anos. A informação consta do relatório final da CPMI dos Correios referente às investigações feitas nos investimentos das fundações em títulos públicos e privados, bem como em operações com derivativos e em papéis do Banco Santos, que quebrou em novembro do ano passado. O relatório acusa o governo do PT e o grupo político do ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho de terem partidarizado as diretorias dos fundos. Apenas no Banco Santos, cinco fundos de pensão perderam R$ 238,7 milhões - Real Grandeza (R$ 153,6 milhões), Postalis (36 milhões), Centrus (R$ 32 milhões), Funcef (R$ 10 milhões) e Nucleos (R$ 7,1 milhões). Eles realizaram vultosas aplicações a poucos dias da intervenção do Banco Central naquele banco. As investigações foram além do governo Lula, compreendendo as operações realizadas no período entre 1º de janeiro de 2000 e 31 de agosto de 2005. Foram analisados, portanto, três anos da gestão dos fundos durante o governo Fernando Henrique Cardoso. No caso das aplicações em títulos públicos, os 13 fundos de pensão investigados perderam R$ 75,5 milhões. As perdas foram detectadas a partir da análise da cadeia negocial de compra e venda dos papéis. Auditores profissionais contratados pela CPMI junto à Ernst & Young e funcionários de instituições públicas (Banco Central, CVM e Secretaria de Previdência Complementar) e privadas (BM&F) descobriram que, em negociações de um mesmo título público, os preços unitários praticados com os fundos apresentaram "exorbitante variação" quando comparados com os preços negociados pelos demais agentes de mercado. "Ora, o rendimento de um título público supera facilmente o mínimo atuarial dos fundos de pensão. Entretanto, as perdas auferidas pelos fundos de pensão não estão associadas à baixa rentabilidade dos títulos, mas sim aos preços pelos quais tais papéis foram adquiridos", diz o relatório final da CPMI, cujo trabalho relativo a fundos de pensão foi comandado pelo deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA). Dos três grandes fundos de pensão, apenas a Funcef não aparece como tendo perdido em operações com títulos públicos. A Previ, o fundo dos funcionários do Banco do Brasil, teria perdido R$ 55,3 mil em 2003 e a Petros, dos servidores da Petrobras, R$ 609,5 mil em operações de 2002 e 2003. O fundo de pensão que mais perdeu nesse tipo de operação foi o Prece, dos funcionários da Cedae, a estatal que administra os serviços de água e esgoto do governo fluminense. Amargou prejuízo acumulado de R$ 35,4 milhões nos últimos seis anos. A empresa e o Prece estiveram, no período analisado, sob a influência do ex-governador Anthony Garotinho, pré-candidato do PMDB à presidência da República. Em segundo lugar, o fundo que mais perdeu com os investimentos em títulos públicos foi o Nucleos, a fundação de previdência dos funcionários de três estatais federais - Indústrias Nucleares do Brasil, Eletrobrás Termonuclear e Nuclebrás Equipamentos Pesados. As perdas somaram R$ 28,6 milhões, conforme antecipou o Valor, e começaram a ocorrer no primeiro ano do governo Lula. No relatório, a CPMI discorre sobre a influência no fundo de Marcelo Sereno, ex-dirigente petista que atuou como assessor do ex-ministro José Dirceu no Palácio do Planalto. O relatório da CPMI cita exemplos de como um grupo de corretoras manipulava as operações com papéis do governo para gerar perdas aos fundos. No caso do Nucleos, uma delas foi realizada no dia 23 de novembro de 2004. Naquele dia, o fundo de pensão amargou perda de R$ 1.134.285. O banco Pactual vendeu à corretora Nominal quatro mil unidades de Notas do Tesouro Nacional da série B (NTN-B), com vencimento em 15 de fevereiro de 2045 e preço unitário de R$ 1.003,28. No mesmo dia, a Nominal revendeu o lote de papéis à corretora Quantia ao preço unitário de R$ 1.003,83, portanto, 55 centavos acima do preço original. Essa variação de preço é considerada normal pelos operadores de mercado. A transação suspeita ocorreu no momento seguinte. A Quantia revendeu o mesmo lote de papéis ao Zircônio, o fundo exclusivo de investimento do Nucleos, cobrando R$ 1.286,85 pelo preço unitário dos títulos. Isto significa que o fundo de pensão pagou pelo lote de papéis um preço 28,19% superior ao da operação anterior. Naquele mesmo 23 de novembro de 2004, em outra cadeia de negociação, um lote de NTN-B idêntico ao anterior foi vendido pela BR Central DTVM à corretora Turfa ao preço unitário de R$ 1.004,57. A Turfa, por sua vez, revendeu os títulos ao fundo Zircônio, do Nucleos, por R$ 1.286,85, exatamente o mesmo valor pago pelo fundo na compra dos papéis vendidos pela Quantia na outra negociação. A perda para o fundo de pensão, nessa cadeia, foi de R$ 1.129.131,00. O mesmo padrão foi identificado em operações do Prece e de outros fundos de pensão com debêntures e CVS, títulos emitidos pelo Tesouro Nacional para a securitização das dívidas referentes ao FCVS (Fundo de Compensação das Variações Salariais). No caso de operações com CVS, os fundos teriam amargado, segundo a CPMI, prejuízo de R$ 38,3 milhões. Perderam ainda R$ 7,3 milhões em movimentações com debêntures e cerca de R$ 300 milhões com operações de derivativos na BM&F. O relatório cita também o fato de o Petros ter contratado, em 2003, a empresa de consultoria atuarial Globalprev, que pertenceu ao ex-ministro Luiz Gushiken, hoje assessor da presidência. A CPMI relata que o contrato foi renovado e que, no total, o fundo pagou R$ 847.445,49 à empresa. "Dentre os seus sócios, estava o sr. José Valdir Gomes que, durante o atual governo, assumiu uma das diretorias da SPC. Ressalte-se que Gomes ainda atuava pela empresa em 2003, época em que se iniciou o contrato de prestação de serviços junto à Petros", diz o relatório. Dezenas de corretoras são citadas no relatório da CPMI, mas nove instituições ganham destaque, com capítulos à parte em que há menções a supostas irregularidades. São elas: Bônus Banval, Dillon, Cruzeiro do Sul, Euro, Laeta, Novinvest, Quantia, São Paulo Corretora e Schahin.