Título: Presidente quer acabar com vinculação do gasto público
Autor: Cristiane Agostine
Fonte: Valor Econômico, 30/03/2006, Política, p. A18

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende reduzir o percentual do gasto público vinculado, isto é, cuja destinação é prevista em lei. Isso vem sendo defendido há algum tempo por membros do governo, apesar de contrariar uma bandeira tradicional do Partido dos Trabalhadores. A intenção de Lula foi citada numa entrevista do presidente ao jornal econômico italiano "Il Sole 24Ore", à qual o Valor teve acesso. Questionado sobre o gasto social do governo e sobre o fato de que parte dele acaba não beneficiando os pobres, Lula defendeu a mudança na vinculação de gastos. "Há um problema de qualidade no gasto, mas para resolvê-lo é preciso maior flexibilidade na destinação dos recursos. Hoje, com base na Constituição, um percentual muito alto dos gastos é destinado independentemente da situação de fato. Esse percentual deve ser reduzido", afirmou o presidente, segundo o transcrição em italiano da entrevista. A redução dos gastos vinculados vem sendo defendida há anos por membros do governo Lula. O ministro das Finanças, Guido Mantega, quando ocupava o Ministério do Planejamento, disse ao Congresso: "Chegou-se a um ponto em que quase toda a despesa está vinculada e fica-se com um orçamento totalmente imobilizado". Mas Lula, na entrevista ao jornal italiano, questiona o próprio mérito da vinculação de gastos. "Uma maior discricionariedade na despesa pública é um modo para melhorar a qualidade do gasto", afirmou o presidente. Isso se choca frontalmente com o princípio da vinculação de gastos, historicamente defendido pelo PT como uma salvaguarda para garantir recursos para programas sociais e investimentos públicos, independentemente de quem esteja no governo. Em artigo de julho de 2004, o então presidente do PT, José Genoino, reafirmava a posição do partido: "(O PT) entende que a garantia de verbas orçamentárias constitucionalmente vinculadas é a forma mais segura de proteger a efetividade desses direitos (a saúde e educação). Não se nega, com isso, a necessidade de melhorar o gasto público nessas áreas e de promover alguns ajustes para efetivar com mais eficácia a aplicação desses recursos. Mas não se pode, em nome dessa exigência de melhora gerencial, atacar o princípio da garantia das verbas constitucionalizadas". Na entrevista, Lula não diz como nem quando pretende reformular a vinculação de verbas. Lula falou ao jornal "Il Sole 24Ore" por ocasião da visita ao Brasil de uma missão mista italiana, governamental e empresarial. Lideram a comitiva Claudio Scajola, ministro das Atividades Produtivas da Itália, e Luca Cordero di Montezemolo, presidente da Confindustria (a confederação das indústrias italiana) e da Fiat. Na entrevista, Lula diz ainda que o clima para investimentos no Brasil melhorou devido a uma série de medidas "que o meu governo adotou". Cita, entre elas, reformas para dar maior transparência nos negócios, como a Lei de Falências, maior acesso ao crédito para consumo e as parcerias público-privadas. Questionado sobre o crescimento "decepcionante" em relação a países como China, Índia e Argentina, Lula voltou a dizer que o objetivo principal da política econômica é "criar as condições para um crescimento sustentável por um longo período". E colocou uma condição para o crescimento: "Sem uma mudança fundamental na renda que permita aos pobres entrar na economia de mercado, o Brasil não realizará o seu potencial".