Título: Mantega na Fazenda
Autor: Affonso C. Pastore e Maria Cristina Pinotti
Fonte: Valor Econômico, 30/03/2006, Opinião, p. A22

Do ponto de vista político, a queda de Antonio Palocci é muito positiva para o funcionamento da democracia, por exibir com clareza os limites constitucionais ao exercício do poder - nenhum governo tem o direito de quebrar o sigilo bancário de um cidadão, entre outras coisas. É também mais um capítulo do isolamento progressivo de Lula na Presidência, que já conta com um número significativo de baixas no governo e no PT, como José Dirceu, Luiz Gushiken, José Genoíno, Duda Mendonça, Delúbio Soares e Sílvio Pereira. Já no plano da política econômica, a substituição de Palocci por Mantega tem múltiplas facetas e, infelizmente, nem todas estão claras nestes primeiros dias após a substituição. Primeiro, não se trata apenas de uma mudança de ministro, mas sim uma profunda alteração na equipe econômica, com a saída de dois importantes pilares de sua sustentação: Joaquim Levy e Murilo Portugal. A menos que Mantega consiga recrutar pessoas de competência semelhante, no mínimo ocorrerá uma queda de qualidade da execução da política econômica. Além disso, o novo ministro da Fazenda sempre teve visões profundamente divergentes sobre a condução da economia comandada por Palocci: foi sempre um crítico estridente tanto da austeridade monetária conduzida pelo Banco Central, como da austeridade fiscal, tendo chegado a propor formas "engenhosas" de reduzir o superávit fiscal pela alteração do seu conceito. Criou polêmicas públicas ruidosas com o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, e com o BC, dirigindo sua artilharia contra o diretor Bevilaqua. Também tem se mostrado um crítico do nível atingido pelo câmbio, que segundo ele está sobrevalorizado, exigindo "ajustes". É um economista alinhado com a esquerda do PT, que tanto tem criticado a política econômica de Palocci. Sua nomeação foi bem recebida pelo presidente do PT, Ricardo Berzoini, que mantém a esperança de que Lula volte às origens, ou seja, que diante do seu crescente isolamento político, aproxime-se do último reduto de suporte que lhe restou. O fato de Murilo Portugal - técnico comprovadamente competente e identificado com a política econômica seguida por Palocci - haver sido preterido na escolha indica que entre agradar o mercado ou agradar o PT, Lula escolheu a última opção.

-------------------------------------------------------------------------------- Ainda que os objetivos eleitorais de Lula imponham um freio a "heterodoxias", os riscos cresceram --------------------------------------------------------------------------------

A política econômica atual sofrerá alguma mudança? O cargo de ministro faria Mantega mudar suas idéias sobre a economia? Esta é a pergunta relevante que os mercados doméstico e internacional vão tentar responder nos próximos dias. O elemento estabilizador da política econômica não repousa nas crenças pessoais de Mantega, mas sim nos objetivos políticos de Lula, de ganhar a próxima eleição. Embora seu governo não tenha propiciado ao povo nem o "espetáculo do crescimento", nem a maioria das promessas feitas durante a campanha eleitoral, Lula quer mostrar aos eleitores que produziu um grande crescimento das exportações; que a inflação está controlada; que o país acumulou reservas que eliminaram o risco de uma crise no balanço de pagamentos; e que não foi ele o responsável pelo crescimento do risco-Brasil durante a crise de 2002, tanto que esta medida de risco é atualmente a mais baixa da história brasileira. Todos estes resultados foram produzidos pelas excepcionais condições da economia mundial, mas ainda assim ocorreram durante o seu governo, e representam um ativo político que ele tentará preservar. Ou seja, terá uma história razoavelmente positiva a contar para os eleitores caso as linhas gerais da política econômica sejam mantidas. Netas condições, seus objetivos políticos balizam as ações de Mantega, que devido a isso terá estímulos para refrear seus ímpetos quanto a mudanças mais fortes na condução da economia. Isto, no entanto, não garante que se mantenha a racionalidade na política econômica, nem evita que surjam conflitos ou impede que caia a qualidade na execução da política econômica. A busca de um crescimento mais robusto do PIB em um ano eleitoral é uma tentação para acelerar tanto o crescimento dos gastos públicos quanto a queda da taxa de juros. Será difícil, por outro lado, manter uma ação tão competente quanto a de Joaquim Levy na administração da dívida pública, e será difícil manter uma eficácia tão grande quanto a de Murilo Portugal no controle dos gastos públicos. Palocci batalhava, embora com um sucesso limitado, contra as pressões de Dilma Roussef para expandir os gastos públicos, e Mantega terá condições mais fracas nesta disputa. O crescimento dos gastos públicos vem constrangendo as ações do Banco Central na execução da política monetária, e agora como ministro da Fazenda, Mantega deve batalhar para uma redução ainda maior da TJLP, o que coloca o canal do crédito conspirando contra uma redução mais acelerada da taxa Selic, o que a médio prazo eleva o potencial de conflito entre o BC e o Ministério da Fazenda. São necessárias ações consistentes e corretas, mais do que simples declarações, para convencer os mercados de que Mantega manterá as linhas gerais da política econômica. Ainda que os objetivos eleitorais de Lula imponham um freio a "heterodoxias", cresceram os riscos, o que eleva a volatilidade dos mercados, toldando os horizontes quanto ao comportamento da inflação, do câmbio, das taxas de juros e do crescimento do PIB.