Título: Arbitragem decide sucessão na fabricante da Cachaça 51
Autor: Chris Martinez
Fonte: Valor Econômico, 30/03/2006, Empresas &, p. B1

Antes de falecer, em 1799, George Washington determinou em seu testamento que se houvesse discórdia entre os herdeiros ela deveria ser solucionada por arbitragem e não pela Justiça comum. O empresário Guilherme Müller Filho não chegou nem perto de ser presidente dos Estados Unidos, mas um ano antes de falecer, pensou como ele para decidir o futuro da sua companhia, a Müller - fabricante da conhecida cachaça 51. Desgostoso com as intermináveis desavenças entre seus dois filhos, o primogênito Benedito Augusto, de 56 anos, e Luiz Augusto Müller, de 52, o patriarca determinou, por meio de um acordo de acionistas, que os impasses entre os irmãos na gestão da Müller deveriam ser submetidas ao Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá. Litígios resolvidos por meio de arbitragem têm a vantagem de serem solucionados rapidamente e correm em absoluto sigilo. Os árbitros são advogados ou técnicos que conhecem profundamente o problema que está sendo analisado. "A arbitragem é um método mais eficiente e a sua sentença é final e terminativa", diz a advogada Selma Ferreira Lemos, uma das autoras da nova Lei de Arbitragem, a 9.307, de 1996.

A vontade de Guilherme Müller, que era carinhosamente conhecido como Ézio, está prestes a ser realizada. O Valor apurou que técnicos do Centro de Arbitragem da Câmara Brasil-Canadá aprovaram o nome de Ricardo Gonçalves, ex-presidente da Nestlé e da Parmalat, para o cargo de diretor-superintendente da Müller. Gonçalves, que hoje preside a Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frango (Abef), poderá assumir o leme da Müller em alguns dias. Em entrevista ao Valor, Gonçalves admitiu que seu nome faz parte de uma lista de candidatos, mas "até agora não houve nenhuma conversação que tenha me levado a dizer 'sou ou não' ". O executivo reconheceu, contudo, que "não vai deixar de considerar" uma eventual proposta. Procurada pelo Valor, a companhia não se pronunciou. Desde fevereiro do ano passado, quando o fundador Guilherme Müller faleceu - vítima de problemas cardíacos que levaram a um derrame cerebral - a empresa enfrenta um dura e complicada crise. Ainda assim, mantém a liderança com mais de 30% do mercado nacional de cachaça. Dias após a perda do pai, os dois irmãos acirraram ainda mais a antiga briga. Processaram-se mutuamente na Justiça. Essa guerra, sem precedentes na família, terminou por proibir os dois de trabalharem na empresa. Foi a partir desse capítulo que a história da companhia, sinônimo de cachaça, mudou definitivamente. O conselho de administração, criado pelo patriarca em 2004 e presidido pelo advogado Roberto Luiz D'Utra Vaz, passou a ter um peso ainda mais importante. O dia-a-dia da empresa, sediada em Pirassununga (SP), foi assumido por três executivos: José Emílio Bertazi, que era um homem de confiança do fundador, diretor financeiro; Sérgio Luiz, diretor comercial e Celso Brigagão, diretor industrial. O processo de sucessão segue uma decisão da juíza da 2ª Vara da Comarca de Pirassununga. Em 20 de dezembro de 2005, ela determinou que os dois únicos acionistas da empresa, Luiz e Benedito, deveriam indicar, cada um, três nomes para o cargo de diretor-superintendente. E cada acionista deveria comunicar um ao outro as suas escolhas até 20 dias antes da assembléia geral extraordinária, marcada para 19 de janeiro de 2005. Benedito, filho mais velho e mais reservado, escolheu Ricardo Gonçalves, José Carlos Aguilera Fernandes e D'Utra Vaz, que além de presidir o conselho é sócio do ex-ministro Alcides Tápias na Aggrego, consultoria especializada em reestruturar empresas. De personalidade mais forte e casado, pela segunda vez, com Rita, grande desafeto de seu pai, Luiz Augusto indicou o seu próprio nome, além de Robério Silva e Roberto Biagi. Os executivos que tiveram os seus nomes sugeridos foram contatados e sabiam, desde o ano passado, que poderiam a qualquer momento assumir a Müller. Um desses executivos contou que também estava ciente de que seu nome poderia ser vetado numa assembléia. Como cada irmão poderia recusar dois dos três nomes, Benedito tomou uma decisão estratégica e não vetou o nome do próprio irmão. Com isso, conseguiu que o seu candidato, Ricardo Golçalves, levasse a melhor. Até porque, Luis está legalmente proibido de assumir qualquer cargo na empresa. A ata do resultado da assembléia foi publicada no dia 2 de fevereiro no Diário Oficial Empresarial do Estado de São Paulo. Na semana que vem, os executivos da Müller e os membros do conselho de administração deverão oficializar o nome de Ricardo Gonçalves. (Colaborou AAR)