Título: Status de Ministério ao BC acalma pregão
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 30/03/2006, Finanças, p. C2

Está sendo gestado um novo pretexto para um eventual endurecimento monetário. Cresce a análise segundo a qual a exacerbação da dicotomia dentro do governo Lula entre o núcleo de "gastadores", agora reforçado pelo desenvolvimentista Guido Mantega, e os "austeros" do Banco Central poderá levar o Copom a desacelerar o ritmo de queda da taxa de juros. Poder para isso o Banco Central, elevado à categoria de Ministério, já tem. Depois que o leve tremor desencadeado pelos mercados na terça-feira como protesto e pressão levou Lula a ampliar os poderes de Henrique Meirelles, basta o dólar ensaiar uma disparada para o Planalto autorizar reaperto monetário. A percepção dos analistas é de que se identificar a possibilidade de formação de pressões inflacionárias decorrentes da ampliação do gasto público, o Copom poderá, já na reunião de 19 de abril, diminuir o ritmo de corte da Selic para 0,50 ponto percentual, com a taxa caindo de 16,50% para 16%.

-------------------------------------------------------------------------------- Swaps reversos contêm especulação --------------------------------------------------------------------------------

Faz parte do histórico recente do Comitê a tomada de decisões ortodoxas com base apenas na suposição de que algum fator obscuro irá se materializar para sabotar a "convergência da inflação à meta". Antigamente, eram as ameaças advindas do "hiato do produto". Recentemente, foram detectados obstruções nos "canais de transmissão" da política monetária. Uma redução muito forte, amanhã, da TJLP pode ser encarada como retaliação aos esforços do BC. Tudo dependerá do comportamento, das ações e do discurso que o ministro da Fazenda sustentar até 19 de abril. Lula pode ser o fiador da austeridade econômica, mas a âncora neoliberal que permitiu, já ontem, a recuperação dos mercados é o Banco Central. Os mercados domésticos ignoraram a nova alta dos juros dos papéis de 10 anos do Tesouro americano. Avançaram de 4,78% para 4,80%, com os investidores ainda decepcionados com a firmeza de Ben Bernanke. A expectativa, ingênua, era de que já em sua primeira reunião monetária formal à frente do Federal Reserve (Fed), Bernanke iria sinalizar a interrupção do aperto. Ele ainda não tem a convicção de que um juro de 5%, a ser alcançado na reunião de 10 de maio, será suficiente para equilibrar inflação e crescimento. Mas, até, lá, o mercado terá 42 dias para afinar as suas apostas. Não há pressa. Foi por isso que as bolsas de Nova York se acalmaram. Enquanto o Fed for comedido, haverá tempo para os fundos alavancados vedarem os "buracos" surgidos na liquidez global. Problema mesmo, como observa o estrategista da Pentágono Asset, Marcelo Ribeiro, surgirá se, depois de examinar os pequenos peixes com dificuldades no balanço de pagamentos - Islândia, Nova Zelândia, Austrália -, o mercado passar a temer a grande baleia com megadéficit externo, os EUA. Dos maiores pregões, o mais técnico, o mercado futuro de juros da BM&F, retomou rapidamente a via declinante interrompida há quatro dias. O contrato para a virada de abril recuou de 16,28% para 16,26%, e ainda embute a expectativa de que o Copom cortará a Selic em 0,75 ponto em sua próxima reunião. O contrato para a virada do ano cedeu de 15,12% para 15,06%. O contrato mais negociado (R$ 18,64 bilhões), para janeiro de 2008, tombou de 14,96% para 14,80%. O mercado mais especulativo, o de câmbio à vista, ainda resistiu. Apesar de ter recuado da máxima do dia, a R$ 2,2470, para R$ 2,2140 no fechamento, mesmo assim sustentou valorização de 0,22%. Os bancos estão defendendo as posições compradas em US$ 2,8 bilhões assumidas quando o dólar estava a R$ 2,10, mas o potencial de geração de turbulência cambial não é explosivo. A razão é que há um enorme constrangimento operacional à alta. Ele é formado pela montanha de contratos de swaps reversos comprados do BC desde 17 de novembro. Os bancos assumiram uma dívida em dólar equivalente a US$ 23 bilhões. O ganho representado pela variação da Selic poderá ser engolido pela desvalorização do real. Nesse obstáculo à especulação o Planalto não pensou quando aumentou os poderes do BC.