Título: Disputas levam Japão a investir em advogados
Autor: Ian Rowley e Kenji Hall
Fonte: Valor Econômico, 30/03/2006, Legislação & Tributos, p. E1

Lembram-se da velha anedota? Se distribuíssemos todos os advogados americanos de mãos dadas ao longo da linha do Equador o melhor a fazer seria deixá-los todos lá mesmo. Bem, agora parece que haveria espaço para transferi-los de lá para o Japão. Após décadas abrigando uma das menores concentrações de advogados em todo o mundo, o país está embarcando em um programa visando formar milhares de novos advogados anualmente. Durante boa parte da era do pós-guerra, o Japão não considerou que necessitasse de muitos advogados. Isso funcionou bem numa sociedade movida a consenso e voltada para o crescimento econômico. Batalhas nos tribunais do Japão sempre constituíram um último recurso e eram consideradas extremamente deselegantes. Hoje em dia, com o crescimento das disputas envolvendo patentes e fusões internacionais entre empresas, o país está descobrindo que habilidades jurídicas vêm, na verdade, bem a calhar na pactuação de acordos. Mas, havendo apenas 22 mil advogados homologados, em comparação com mais de um milhão nos Estados Unidos, "é extremamente difícil conseguir advogados talentosos (no Japão)", diz Stephen Bohrer, um americano no comando de transações internacionais na Nishimura & Partners, grande firma de advocacia de Tóquio. A comunidade advocatícia japonesa parece finalmente estar levando a sério a necessidade de diminuir a escassez. Em 2004 o governo permitiu, pela primeira vez, que as universidades começassem a oferecer programas de graduação em direito. A partir de então, 74 novas faculdades de advocacia abriram suas portas e as primeiras turmas formadas - cerca de três mil estudantes - deverão entrar no mercado de trabalho no primeiro semestre deste ano. Antes dessa inflexão, o único programa jurídico em nível de graduação no Japão era um curso de dois anos de estudo patrocinado pela Suprema Corte - mas era oferecido apenas àqueles que conseguissem primeiro ser aprovados no equivalente ao exame da Ordem dos Advogados. E eram aprovados anualmente apenas entre 1 mil e 1,5 mil, ou cerca de 3%, daqueles que submetiam-se à prova. Isso implicava em que a maioria dos candidatos submetia-se ao exame da Ordem pelo menos cinco vezes antes de ser aprovados - ou de desistir. Tóquio está empenhando-se ao máximo para tornar as novas faculdades atraentes. Neste ano, os resultados do exame da Ordem serão ponderados, de modo que cerca de um terço dos graduados sejam aprovados, ficando apenas 500 vagas para os cerca de 40 mil que se submeterem ao exame sem ter freqüentado um dos novos programas. Em torno de 2010, o governo pretende ter duplicado o número de aprovados no exame da Ordem para aproximadamente três mil, com a maior parte do crescimento do contigente de aprovados sendo constituído pelos graduados nas novas faculdades. "A faculdade de advocacia expandiu minhas possibilidades", diz Yoko Mukai, 30 anos, que matriculou-se para cursar um programa de dois anos na faculdade de direito da Universidade de Tóquio, o que custará a ela US$ 15 mil, depois de já ter sido reprovada várias vezes. O que o Japão fará com todos seus novos advogados? Em virtude de a economia estar crescendo a seu ritmo mais rápido em muitos anos, a demanda por advogados especializados experientes em fusões está registrando forte crescimento. E as companhias japonesas estão recorrendo ao sistema legal para pôr fim a disputas judiciais que, no passado, poderiam ter sido negociadas nos bastidores. Em 2004, por exemplo, o Sumitomo Trust & Banking e o Mitsubishi Tokyo Financial Group (MTFG) enfrentaram-se nos tribunais depois que o UFJ Holdings recuou de uma planejada fusão com o Sumitomo e, em vez disso, preferiu um casamento com o MTFG. "No passado, (um enfrentamento judicial assim) nunca teria acontecido", diz Masatomo Suzuki, sócio, em Tóquio, na firma de advocacia Jones Day, de Cleveland. Em vista de serem tantas as novas faculdades começando a funcionar ao mesmo tempo, são inevitáveis as dores do crescimento. Uma preocupação é encontrar suficientes professores qualificados. E alguns observadores estão preocupados com o fato de que possa não ser justo dar aos formados nas faculdades de advocacia uma vantagem no exame da Ordem. "Todo mundo está acompanhando atentamente para ver que tipo de gente eles produzirão", diz Robin Doenicke, um sócio no Zensho Consulting Group, uma firma de pesquisas jurídicas em Tóquio. É improvável que o Japão venha a abraçar plenamente o tipo de conflito jurídico comum nos Estados Unidos. Litígios são essencialmente conflituosos e vão contra a predileção cultural japonesa por harmonia. Mas um sistema jurídico mais sofisticado e contencioso poderá ser exatamente o que o país necessita para manter na linha sua reestruturação econômica. E isso significa tolerar indecorosos alvoroços nos tribunais que, no passado, poderiam chocar a sociedade japonesa.